O negócio, as cores, a tradição. |
Há, dentro de mim, um ser apaixonado pelas tradições, inclusive (ou principalmente) pelas do futebol. E há, na contemporaneidade, duas delas que, a
meu ver, têm sido paulatinamente desrespeitadas: falo das cores estampadas nos
uniformes dos clubes e das seleções.
Demorou um tanto até que eu me acostumasse
àquela camisa branca do Flamengo que ganhei de meu pai, logo após a
conquista do Mundial Interclubes, em 81. Eu era muito menino, e nem o desfile
de Zico em Tóquio, trajando o clássico branco de mangas longas, fez com que meu
imaginário deixasse de enxergar o Flamengo em puro vermelho e preto.
Dali a 10 anos, a Umbro substituiria a Adidas no fornecimento
de material esportivo, implantando, a reboque dos ditames neoliberais da época,
um marketing voltado para a “diversificação” das camisas do Fla – afinal, para
que vender apenas um modelo quando se pode lucrar mais com dois, três, quatro
ou cinco deles? Para que esperar por tantas temporadas, se podemos lançar “um
manto novo” a cada ano, ora bolas? A tradição que dê passagem ao “moderno”!
A primeira dessas inovações, em meados dos anos
90, nem chegou a passar pelo conselho da Gávea, deixando para a posteridade uma
camisa com complexa mistura de cores que, a muito custo, permitia ao apaixonado
torcedor identificar a lúdica combinação rubro-negra numa nesga de pano do
manto promocional. Não a usaram, mas venderam-na.
Ainda que a contragosto, não me arrependo de
tê-la comprado; tornou-se um objeto simbólico de recordação do fim da Era
Romântica do futebol brasileiro. Mesmo sendo feia a camisa, tornou-se bela
quando comparada, por exemplo, a lançamentos futuros como a Tabajara Futebol
Clube, da Olympikus, que tanto envergonhou aos flamenguistas, como fez a
alegria das demais torcidas.
Enquanto envelheço, o futebol teima em se modernizar.
A própria Umbro se tornaria a responsável por um inesquecível
estilo rococó em nossa seleção canarinho. Coube à geração do tetra ostentar uma
camisa poluída e descaracterizada em campos ianques. Bizarrice semelhante à da
Nike que, poucos anos mais tarde, se tornaria a responsável pela indumentária
futuro-patética, de cores e traços aberrantes, exibida no penta oriental.
De lá para cá, perdeu-se o respeito aos clubes, às suas cores
e às suas tradições, e toda sorte de “criação” foi sendo promovida pelos
fabricantes, sem a menor cerimônia, e sempre em nome daquilo que é
necessariamente “novo” e que esteja adaptado às nova$ regra$ do mercado.
E assim, sem maiores esforços, surgiram times-vagalume (como
o reluzente Palmeiras), times-bebê menina (como a rósea Juventus de Turim) ou
bebê menino (como o azulado Santos, o roxo Corinthians) e até times-bandeira
(como a criativa inovação do Goiás, nesta Copa do Brasil). Ou
times-multicoloridos (como a maioria dos times europeus, que a cada temporada
se exibem com cores que só na certeza dos patrocinadores tem alguma ligação com
o clube e sua história). Daí a vermos, um dia, o Barça de verde-turquesa, e no
outro, de azul-polar-brilhante. O Real Madrid, ora branco, agora pode ser também
visto trajando o preto, o roxo e até o vermelho – tá tudo no pacote de inovação
dos tempos modernos.
Mas como dizia um vibrante oficial dos tempos da caserna,
nada está tão ruim a ponto de não poder piorar ainda mais – lembranças ao
Marin, aliás! E nesta onda multicolorida, vem de lá dona FIFA, sabichona que é
e interessada no bom andamento do espetáculo, para impor a nova ordem do
futebol mundial: a de seleções monocromáticas!
Tente o desavisado leitor acertar o nome das seleções
envolvidas em praticamente todos os jogos dessa primeira fase da Euro 2012,
apenas pela imagem das equipes em campo, e teremos uma constatação
estarrecedora: virou todo mundo japonês!
Não há mais fatores nacionais explícitos que identifiquem
quem está em campo, pois as exigências bur(r)ocráticas da senhora que manda no
futebol exige diferenciação máxima entre os oponentes, condenando o pobre
espectador a um eterno embate entre azuis, vermelhos ou brancos, em uniformes
monocromáticos e padronizados naquilo que deveria, por essência, ser genuíno,
dado ser este o adequado instrumento para enaltecer nossas diferenças enquanto
Cultura e Nação.
Já não bastava ter de ver o Brasil em campo descaracterizado
pelas camisas horrendas impostas pela fornecedora (lembram da camisa “bola de bilhar”?
E daquela com traço de subtração ao peito?), ou de ter de assimilar os meiões
azuis e os calções brancos que mandam à cucuia nosso simbolismo, e agora somos
obrigados a assistir a uma partida como se estivéssemos jogando videogame, num
eterno embate entre sempre as mesmas cores? Quem está em campo? Portugal?
Rússia? Inglaterra? Espanha? Polônia? Suíça? República Tcheca? Ah, tanto faz: é
tudo da mesma cor!
No caso dos clubes, parece claro que a questão financeira se
sobrepõe à tradição. Já no caso das seleções, não consigo entender qual o ganho
da FIFA em descaracterizar seus principais personagens, confundindo seus fãs ao
esvaziar identidades históricas num estúpido e empobrecedor embate bicolor.
Quanto enfado!
foto: joão sassi feira do guará. brasília-df