quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Zé Love e o Resgate da Dignidade Humana

Zé Love retorna a Gênova de cabeça erguida.

Não sei qual a origem do apelido que colocaram no Zé Eduardo, mas sei que até bem recentemente, eu não botava a menor fé no tal do Zé Love.


Considerava-o um Zé-ninguém cujo maior mérito fora estar no time certo, na hora certa, mesmo sendo um cara incerto. Lembro bem dele na reta final da Libertadores de 2011; fazia gracinhas e perdia gols o tempo todo. Foi campeão graças a Neymar.


Mas calhou de jogar numa época em que qualquer Zé vai jogar na Itália; e lá se foi o Zé Love tentar ser alguém na vida.


Ficou quase um ano fora da mídia, em grande parte por haver se contundido e passado muito tempo no estaleiro. Mas se recuperou da contusão e fez uma boa pré-temporada pelo modesto Genoa; suficientemente boa, aliás, a ponto de despertar a cobiça do Milan – carente de um bom atacante após a deserção de Zlatan Ibrahimović.


“Despropósito total!”-, pensei, pego de surpresa pela aparição em grande estilo do cabo Zé.


Mas isso não era tudo, pois logo na sequência, pintou uma surpresa ainda maior: Zé disse não à poderosa equipe rubro-negra de Milão, o que fez o caso ganhar as páginas esportivas.


Entre letras e opiniões, um jornalista que escreve sobre negócios do esporte e analisa o noticiário do ponto de vista econômico, do marketing e da gestão, resumiu o fato nos seguintes termos: “A dignidade, invariavelmente, atrapalha e muito num planejamento mais longo de carreira. Zé Love, infelizmente, que o diga” – foi sua deixa, numa análise segundo a qual o atleta deveria ter se curvado às determinações da Casa Grande, como se outro futuro bem-vindouro nunca mais se lhe fosse fazer presente no horizonte da carreira esportiva.


Esse olhar hermético e funcional – que certamente despertaria a ira de Nelson Rodrigues - despertou minha curiosidade sobre o caso, no que então fui me informar melhor, buscando a versão do próprio atleta.


   - “Não sou jogador de ficar esperando em hotel! Já ganhei Libertadores!”, bradava o Zé, lá da Itália, em referência à condição destand-by por dez dias imposta pela esquadra milanesa (que teria, assim, mais uma semana para contratar algum outro jogador estrangeiro, o que faria o desconhecido Zé Love ter de voltar ao também parcamente conhecido time do Genoa, com o rabinho entre as pernas). Enquanto não oficializasse o acordo por meio de um contrato, ficaria no quarto, esperando o telefone tocar com a autorização do Milan para ele poder, enfim, assinar e treinar. “Isso não é digno” – pensou. E não era mesmo.


Para quem eu, até ontem, considerava um parvo, vibrei com sua postura!


Numa época em que os homens se dividem entre bobos alegres e tristes críticos, otimistas deslumbrados com o tecnicismo contemporâneo e pessimistas que sonham com a volta de uma existência in natura, é sempre salutar ter razões para acreditar na transformação da realidade para algo bom, algo melhor, vislumbrando atitudes como a do Zé. Cena de cinema:


O dirigente do Milan liga pro quarto do jogador e ninguém atende. No celular tampouco. Liga novamente, e nada! Fica puto: “Quem este bostinha pensa que é?”, esbraveja, com o aparelho grudado ao ouvido, que chama... Sem resposta. - “Deve estar ocupado com alguma puta...Questi brasiliani di merda!”.


Dispara para o hotel. Quer pegar Zé no flagra! Passa furibundo pelolobby, sob o sorriso amarelo do rapaz que está na recepção. Espera impaciente que o elevador percorra 19 andares. Então irrompe corredor adentro.


Já com a mão na maçaneta dourada, hesita.


Toca a campainha. Nada. Uma, duas, três vezes. Bate na porta. Grita!: "D'zéé?...". Os demais hóspedes entreabrem as portas, espiando o corredor para ver o que há. Em meio ao burburinho, é chamado o gerente.


   - “Ma qui è D´zé, cazzo?”, pergunta alguém.  
   - Ma che D'zé Cazzo?! È Dzé d'Amore; Dzé d'Amore, cazzo! -, responde o milanista, irritadíssimo!


Enfim, a porta do quarto do Zé é aberta.


Mas enquanto o cartola encontra apenas um bilhete sobre a cama dizendo “vafanculo!”, o agora notável Zé Love volta a Genoa, onde é recebido sob silvos e aplausos no Estádio Luigi Ferraris, sendo aplaudido de pé pelos torcedores. “Foi um dos momentos mais emocionantes da minha carreira”, disse.


Vi o gesto de Zé como uma atitude libertária por não se curvar às determinações da parte mais poderosa envolvida na negociação. Aliás, deixou bem claro que não é mercadoria. Um gesto de rebeldia que reacende o desejo da mudança e alimenta a esperança de quem acredita na beleza dos propósitos do  bicho-Homem.


Ao se fazer digno, Zé Love contrariou a lógica econômica e assombrou os idiotas da objetividade, razão pela qual nos aproxima de um ideal comum e, portanto, mais humano; é um gesto que enaltece toda a raça.


Ainda que ele não faça gols ou que nunca mais justifique o interesse de qualquer grande equipe, valeu Zé; valeu mesmo, moleque! A galera vibra!...




foto de joão sassi

varjão -df