Zé Love retorna a Gênova de cabeça erguida. |
Não sei qual a origem do apelido que
colocaram no Zé Eduardo, mas sei que até bem recentemente, eu não botava a menor
fé no tal do Zé Love.
Considerava-o um Zé-ninguém cujo
maior mérito fora estar no time certo, na hora certa, mesmo sendo um cara
incerto. Lembro bem dele na reta final da Libertadores de 2011; fazia gracinhas
e perdia gols o tempo todo. Foi campeão graças a Neymar.
Mas calhou de jogar numa época em que
qualquer Zé vai jogar na Itália; e lá se foi o Zé Love tentar ser alguém na
vida.
Ficou quase um ano fora da mídia, em
grande parte por haver se contundido e passado muito tempo no estaleiro. Mas se
recuperou da contusão e fez uma boa pré-temporada pelo modesto Genoa;
suficientemente boa, aliás, a ponto de despertar a cobiça do Milan – carente de
um bom atacante após a deserção de Zlatan
Ibrahimović.
“Despropósito total!”-, pensei, pego
de surpresa pela aparição em grande estilo do cabo Zé.
Mas isso não era tudo, pois logo na
sequência, pintou uma surpresa ainda maior: Zé disse não à
poderosa equipe rubro-negra de Milão, o que fez o caso ganhar as páginas
esportivas.
Entre letras e opiniões, um jornalista que escreve sobre negócios do esporte e analisa o
noticiário do ponto de vista econômico, do marketing e da gestão, resumiu o
fato nos seguintes termos: “A
dignidade, invariavelmente, atrapalha e muito num planejamento mais longo de
carreira. Zé Love, infelizmente, que o diga” – foi sua deixa, numa análise segundo a qual o atleta deveria ter se
curvado às determinações da Casa Grande, como se outro futuro bem-vindouro
nunca mais se lhe fosse fazer presente no horizonte da carreira esportiva.
Esse olhar hermético e funcional –
que certamente despertaria a ira de Nelson Rodrigues - despertou minha
curiosidade sobre o caso, no que então fui me informar melhor, buscando a
versão do próprio atleta.
- “Não sou jogador de
ficar esperando em hotel! Já ganhei Libertadores!”, bradava o Zé, lá da
Itália, em referência à condição destand-by por dez dias imposta
pela esquadra milanesa (que teria, assim, mais uma semana para contratar algum
outro jogador estrangeiro, o que faria o desconhecido Zé Love ter de voltar ao
também parcamente conhecido time do Genoa, com o rabinho entre as pernas).
Enquanto não oficializasse o acordo por meio de um contrato, ficaria no quarto,
esperando o telefone tocar com a autorização do Milan para ele poder, enfim,
assinar e treinar. “Isso não é digno” – pensou. E não era mesmo.
Para quem eu, até ontem, considerava
um parvo, vibrei com sua postura!
Numa época em que os homens se dividem
entre bobos alegres e tristes críticos, otimistas deslumbrados com o tecnicismo
contemporâneo e pessimistas que sonham com a volta de uma existência in
natura, é sempre salutar ter razões para acreditar na transformação da
realidade para algo bom, algo melhor, vislumbrando atitudes como a do Zé. Cena
de cinema:
O dirigente do Milan liga pro quarto
do jogador e ninguém atende. No celular tampouco. Liga novamente, e nada! Fica
puto: “Quem este bostinha pensa que é?”, esbraveja, com o aparelho grudado ao
ouvido, que chama... Sem resposta. - “Deve estar ocupado com alguma puta...Questi
brasiliani di merda!”.
Dispara para o hotel. Quer pegar Zé
no flagra! Passa furibundo pelolobby, sob o sorriso amarelo do rapaz que
está na recepção. Espera impaciente que o elevador percorra 19 andares. Então
irrompe corredor adentro.
Já com a mão na maçaneta dourada,
hesita.
Toca a campainha. Nada. Uma, duas,
três vezes. Bate na porta. Grita!: "D'zéé?...". Os demais hóspedes
entreabrem as portas, espiando o corredor para ver o que há. Em meio ao
burburinho, é chamado o gerente.
- “Ma qui è D´zé,
cazzo?”, pergunta alguém.
- Ma che D'zé Cazzo?! È
Dzé d'Amore; Dzé d'Amore, cazzo! -, responde o milanista, irritadíssimo!
Enfim, a porta do quarto do Zé é
aberta.
Mas enquanto o cartola encontra
apenas um bilhete sobre a cama dizendo “vafanculo!”, o agora notável Zé Love volta
a Genoa, onde é recebido sob silvos e aplausos no Estádio Luigi Ferraris, sendo
aplaudido de pé pelos torcedores. “Foi um
dos momentos mais emocionantes da minha carreira”, disse.
Vi o gesto de Zé
como uma atitude libertária por não se curvar às determinações da parte mais
poderosa envolvida na negociação. Aliás, deixou bem claro que não é mercadoria.
Um gesto de rebeldia que reacende o desejo da mudança e alimenta a esperança de
quem acredita na beleza dos propósitos do bicho-Homem.
Ao se fazer digno,
Zé Love contrariou a lógica econômica e assombrou os idiotas da objetividade,
razão pela qual nos aproxima de um ideal comum e, portanto, mais humano; é um
gesto que enaltece toda a raça.
Ainda que ele não
faça gols ou que nunca mais justifique o interesse de qualquer grande equipe,
valeu Zé; valeu mesmo, moleque! A galera vibra!...
foto de joão sassi
varjão -df