quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Patriota Idiota e o Time da CBF

Participantes da última geração a conquistar uma  Copa para a CBF.

                                                           

O sentimento é a coisa mais importante que um homem tem para dividir entre seus semelhantes. Somente o compartilhamento das emoções e sua fruição coletiva nos dão aquilo que muitos chamam “felicidade”.

Felicidade é aquilo que o bêbado sente quando pensa que todos estão juntos em sua embriagada e desinibida realidade. É aquilo que nos faz perder a vergonha que temos de dançar, rebolar ou gritar de prazer. É fruto da sensação de aceitação e pertencimento social.

Os motivos podem ser múltiplos, infinitos, mas a condição sine qua non para legitimá-los é a experiência comum: afinal, é impossível ser feliz sozinho...

Nós brasileiros, nos sentimos muito à vontade para compartilhar emoções. Somos um povo amoroso que toca, afaga e dá carinho. Este é o nosso padrão: criamos relações afetivas com nossa existência e nos apegamos a quem mal conhecemos.

Quis a história que este povo fosse guiado por uma paixão – o futebol – e coube a ele extrair desta paixão sua maior forma de expressão, a seleção: síntese cultural maior da nossa identidade nacional, cujas principais marcas são a espontaneidade e o improviso, além daquela velha mania de ter fé na vida - em última instância, a fé que temos no próprio ser humano.

Traços culturais estes que para muitos, revelavam nossa alegria, mas que para outros, evidenciavam o atraso de nosso povo. Nos anos 90, deu-se uma transição, e uma nova ordem econômica se instaurou na mente dessa gente descontente, segundo a qual era preciso tornar esse ritual festivo em que se transformara o futebol numa empresa eficiente, e esse povo descansado e relapso em pessoas sérias e produtivas; civilizadas... Enfim, era preciso lucrar!

No intento de se modernizar, a Confederação Brasileira de Futebol se aproveitou do passado glorioso e do prestígio conquistados pela seleção canarinho para se estabelecer como uma marca global. Em consequência inexorável dessa transição, conseguiu decuplicar suas receitas, embora tenha se tornado, aos olhos do torcedor, um anti-símbolo cultural ; algo que ninguém identifica como seu, e pelo qual não faz qualquer questão de demonstrar emoção ou afeição.

Que a dita cuja seja uma instituição privada, isso já era sabido desde que o brasileiro pôde assistir, durante mais de duas décadas, ao desinibido enriquecimento de Ricardo Teixeira à frente do comando da bagaça; somente então, passou a desconfiar que a seleção não era tão assim, do Brasil, mas da CBF. E aí a coisa começou a miar, e o casamento a degringolar...

É como se, subitamente, descobríssemos que aquele casamento realizado sob os enlaces do amor tornara-se uma relação de escusos interesses...

Não é que o torcedor nativo tenha deixado de gostar de futebol – um grande amor não se acaba assim -, mas passou a ficar cada vez mais difícil convencê-lo de que os sentimentos  da CBF representam o Brasil que aprendemos a amar; principalmente quando se percebe  que o futebol praticado pelo time da CBF não faça graça ou nos dê qualquer alegria. Pior, faz a alegria dos vizinhos!

Chamam de moderno um sistema no qual uma empresa “empresta” os símbolos pátrios (hino, bandeira etc) colando-os num produto, composto por profissionais pagos por outrem, chamado “Brasil”; não é fabuloso? Ou não é o que faz a CBF, ao se promover às custas de nossa paixão e nacionalismo? Ou ao utilizar atletas que são pagos pelos clubes, mas coagidos a representar o “país” ostentando logomarcas de patrocinadores multinacionais mundo afora?

Após a partida contra a Argentina, Neymar reclamou do comportamento da torcida goiana que, a exemplo da torcida paulista, uma semana antes, passara a vaiar o time.  Pois devo dizer que ele vai continuar reclamando, porque as vaias não cessarão.

O espírito que envolvia os jogos – mesmos os meros amistosos – era arrebatador; envolvia a todos e mobilizava a Nação. A expectativa, a ansiedade e o frisson eram efetivamente coletivos. Havia clubismo; havia bairrismo; mas também havia orgulho pelo futebol jogado e, principalmente, identificação com a equipe canarinho.  O Brasil entrava em campo e calçava chuteiras.

Atualmente, o torcedor mal se lembra que tem jogo; que dirá uma convocação. Acabou o mel, Foi-se o doce. O encanto virou espanto.  

Ou a CBF revê seus planos de expansão comercial, redirecionando suas ações para o povo brasileiro e recolocando a verdadeira Seleção Brasileira em campo, ou só lhe restará marcar mais amistosos com a China para fazer caixa e satisfazer o ego de suas estrelas mimadas , sob aplausos constrangedores.

O torcedor está revoltado com essa mise-en-scène mercantilista. Queremos um time que desperte nosso amor; que ao menos saiba cantar o hino nacional; um time que nos cative e que nos una em torno de um bem comum. O que está claro é que esse aí já não tem legitimidade: a seleção não nos representa mais. Chega de bancar o patriota idiota!

fotos de joão sassi
palácio do planalto/2002

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Só se fala na Camisa Amarela da Seleção Brasileira!

Cabisbaixo torcedor brasileiro: cada vez mais escanteado.

                       
Não, eu não assisti aos 8x0 contra os chineses.  E não é que tenha me dado sono; eu dormi porque quis. Optei por esta saída honrosa logo após o segundo gol, com Neymar deslizando como uma libélula pela área, sem qualquer marcação; ali, estava claro que seria uma pelada sem qualquer qualificação que nunca poderia ser chamada de amistoso internacional. Um total desrespeito ao torcedor e aos fãs do esporte, em geral.

Obviamente, o título deste texto é enganoso; mero estratagema para cooptar leitores incautos. Afinal, todos estamos cientes do desencanto generalizado pela equipe canarinho. Mas, já que chegamos até aqui, é da Seleção que vou tratar.

Pois bem, a Seleção morreu. Não existe mais.

O que temos hoje em dia, dirigido pela Nike, achincalhado pelos árabes e explorado pela TV Globo, é o Time da CBF: a mais bem sucedida multinacional brasileira - chupa, Petrobrás! -, atuante em todos os continentes conhecidos e reconhecidamente a mais vitoriosa empresa no ramo de acúmulo capital de Copas do Mundo (notem que há um trocadilho sutil nesta última oração).

Bem sucedida porque produz milhões de dólares e beneficia a algumas poucas almas enlevadas (“Mr. Teixeeeeeira!”) por meio da privatização de um bem público, ainda que imaterial: o amor do povo brasileiro pela sua seleção de futebol.

Utilizam o hino nacional brasileiro, a bandeira verde-amarela e o sentimento de toda a Nação Brasil para vender, mundo afora, um produto plastificado como se fosse matéria-prima original, genuinamente tupiniquim. Aliás, esta é a única alternativa para o Time da CBF; explorar mercados externos em alta, como Qatar, China ou mesmo Gabão, porque por estas bandas a batata está assando legal.

Por inúmeras razões – e, verdadeiramente, não sei se cabe aqui enumerá-las – esse sentimento de que a Seleção representava a Nação está perdendo seu apelo e se transformando numa forçação de barra deslavada. O tal do “Brasil-sil-sil” já não ecoa em nosso coração como dantes ecoava; já não há reverberação. Mas simplesmente uma nostalgia, uma vontade de que as coisas engrenem, com o Brasil dando show, sambando com a bola no pé e mostrando como é que é. Mas não...

Desde 1989, quando o genro de João Havelange assumiu o comando da birosca, a conexão entre o torcedor brasileiro e a Seleção Brasileira foi se perdendo, perdendo, perdendo... E se perdeu a tal ponto que o agrupamento de atletas que representa a CBF nos gramados não mais merece o epíteto gentílico, posto que a sociedade brasileira demonstrasse crescentes dificuldades em se enxergar representada por uma instituição privada comercial – e, de fato, a Seleção, historicamente, sempre nos representara, e muito bem. Naqueles tempos de outrora, a pátria se calçava em chuteiras – sofria-se muito pelos jogadores! – mas e agora? Somos “nós” que estamos em campo?

Sentimo-nos representados pelo astro que chega ao estádio enaltecendo o próprio ego, ao divulgar músicas em sua homenagem por meio de modernas caixinhas sonoras, como fez Neymar, no último Dia da Independência? Como se sentem aqueles que viram Sócrates fazer de cada partida um ato cívico e político da maior importância, ao ter, agora, de abraçar uma geração tão hedonista e ególatra? Uma geração para a qual o slogan DEUS É FIEL tem muito mais legitimidade e relevância que a palavra DEMOCRACIA escrita na faixa da cabeça.

Não vou aborrecê-los com cifras de contratos, lucros, furtos ou desvios, mas é de conhecimento público que eles só se acumulam, desde então. Assim como nosso prestígio! Sim, ganhamos ... Quer dizer, a CBF ganhou duas Copas e outras tantas copetas, aumentando sobremaneira e ratificando o status vencedor de nossa confederação ante as demais adversárias. Um sucesso! (Só o México não reconhece nossa grandeza...)

Mas tudo isso foi obtido graças à depauperação da seleção enquanto símbolo cultural. Tal como o Maracanã, os craques de camisa dourada representavam um “ícone do esporte mais praticado no mundo, elemento de identidade cultural brasileira quase tão importante quanto a própria Língua Portuguesa e o samba.” *Disso, passaram à condição de pop star. Sequer pestanejaram, os rapazotes.

A omissão antropológica pode custar muito caro à nababesca Confederação Brasileira de Futebol, uma vez que é galopante o desinteresse nacional por esta tropa de soldadinhos obedientes que trajam feias e frágeis indumentárias que lhes trazem desprestígio e ridículo aos olhos da comunidade mundial.

A cena da camisa “padrão NIKE” se desfazendo em pleno ar, como se feita pelo mais inábil falsificador fosse, expõe uma metáfora trágica em relação ao orgulho que sentíamos em agitar uma bandeira brasileira em dias de jogo do Brasil: ele hoje não existe. Assim como a camisa, símbolo maior de uma seleção, nosso orgulho se desfaz cotidianamente, dentro e fora de campo, em vergonha e constrangimento.

 *A definição eu emprestei do jornalista Carlos Tautz, que hoje publicou “A Morte do Maracanã”.

foto de joão sassi
campão do varjão - d.f.





quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Alma Atarantada


Ele é uma criança; não entende nada.

Adriano, tal qual Ronaldinho Gaúcho, Robinho e Kaká – todos remanescentes do malfadado “quadrado mágico” de 2006 – deveriam estar curtindo o ápice da vida esportiva, com uma ou duas Copas na bagagem, prestígio mundial e muita grana no bolso.

De 2006 para cá, entretanto, não ganharam nada pela Seleção Brasileira, perderam prestígio e, se isso consola, levantaram um bom troco. Mas não vingaram.

Sobre Ronaldinho, já disse o que penso alguns textos abaixo (Ronaldo e as 32 Primaveras); Robinho virou performer; Kaká perdeu o traquejo de jogador, como um Mangalarga Marchador que desaprendeu a marchar; e Adriano voltou a ser criança. 

Pensem bem: só uma criança faz o que quer, à hora que quer e quando quer. O adendo é que Adriano é uma criança que não sabe o que quer, daquelas que choram sem saber por que.

Mas quem desacreditaria uma criança; um ser com tanto futuro e tantas possibilidades?...

Vem daí, desse sentimento maternal que a torcida do Flamengo tem pelo Imperador, sua única e derradeira oportunidade para entrar para a história. Sim, porque se o sentimento fosse paternal, esse moleque já teria tomado umas bifas e ido trabalhar no balcão do Mac Donald’s para largar de ser trouxa e folgado. O que ele quer, afinal: disputar o Carioca de 2013 pelo Madureira?

Ou será que o vislumbre do abismo, enfim, lhe abrirá os olhos? Será que o Impera se tocou que a corda já esticou para muito além do que podia? E, por Deus(!), será que ele não enxerga seu clube de coração lhe fazendo cortesia em praça pública, como é do feitio de todo tolo apaixonado, enquanto clubes de todo o mundo zombam de sua história e tradição? Será que ele não vê que tem muito nego, como o pobre Zinho, colocando o seu na reta por conta dele? Será? O que será que será? - (não resisti ao trocadilho...)

Para quem viu aquele gorducho desajeitado – motivo de galhofa do próprio torcedor rubro-negro até sua comemorada saída para a Itália, há 10 anos – se transformar no principal centro-avante do mundo, chegando mesmo a destronar o Fenômeno a partir de meados da década passada, vê-lo nessas condições de pura melancolia e desnorteio causa dor.

E não falo da dor que o torcedor sente por ver seu ídolo na sarjeta, mas da dor de alguém que enxerga naquele sujeito grande e gracioso um ser humano angustiado que necessita de muito mais que uma mera advertência profissional.

O tempo das desculpas já se foi, como escreveu José Ilan, após cobrir a entrevista coletiva na qual um constrangido Adriano dava explicações. Nem mesmo o jogador acredita mais em suas próprias palavras.


foto: joão sassi
local: jijoca -ce