Participantes da última geração a conquistar uma Copa para a CBF. |
O sentimento é a coisa mais importante que um homem tem para
dividir entre seus semelhantes. Somente o compartilhamento das emoções e sua fruição
coletiva nos dão aquilo que muitos chamam “felicidade”.
Felicidade é aquilo que o bêbado sente quando pensa que
todos estão juntos em sua embriagada e desinibida realidade. É aquilo que nos
faz perder a vergonha que temos de dançar, rebolar ou gritar de prazer. É fruto
da sensação de aceitação e pertencimento social.
Os motivos podem ser múltiplos, infinitos, mas a condição sine qua non para legitimá-los é a
experiência comum: afinal, é impossível ser feliz sozinho...
Nós brasileiros, nos sentimos muito à vontade para
compartilhar emoções. Somos um povo amoroso que toca, afaga e dá carinho. Este é
o nosso padrão: criamos relações afetivas com nossa existência e nos apegamos a
quem mal conhecemos.
Quis a história que este povo fosse guiado por uma paixão –
o futebol – e coube a ele extrair desta paixão sua maior forma de expressão, a
seleção: síntese cultural maior da nossa identidade nacional, cujas principais
marcas são a espontaneidade e o improviso, além daquela velha mania de ter fé
na vida - em última instância, a fé que temos no próprio ser humano.
Traços culturais estes que para muitos, revelavam nossa
alegria, mas que para outros, evidenciavam o atraso de nosso povo. Nos anos 90,
deu-se uma transição, e uma nova ordem econômica se instaurou na mente dessa
gente descontente, segundo a qual era preciso tornar esse ritual festivo em que
se transformara o futebol numa empresa eficiente, e esse povo descansado e relapso
em pessoas sérias e produtivas; civilizadas... Enfim, era preciso lucrar!
No intento de se modernizar, a Confederação Brasileira de Futebol
se aproveitou do passado glorioso e do prestígio conquistados pela seleção
canarinho para se estabelecer como uma marca global. Em consequência inexorável
dessa transição, conseguiu decuplicar suas receitas, embora tenha se tornado,
aos olhos do torcedor, um anti-símbolo cultural ; algo que ninguém identifica
como seu, e pelo qual não faz qualquer questão de demonstrar emoção ou afeição.
Que a dita cuja seja uma instituição privada, isso já era sabido
desde que o brasileiro pôde assistir, durante mais de duas décadas, ao
desinibido enriquecimento de Ricardo Teixeira à frente do comando da bagaça;
somente então, passou a desconfiar que a seleção não era tão assim, do Brasil,
mas da CBF. E aí a coisa começou a miar, e o casamento a degringolar...
É como se, subitamente, descobríssemos que aquele casamento
realizado sob os enlaces do amor tornara-se uma relação de escusos
interesses...
Não é que o torcedor nativo tenha deixado de gostar de
futebol – um grande amor não se acaba assim -, mas passou a ficar cada vez mais
difícil convencê-lo de que os sentimentos da CBF representam o Brasil que aprendemos a
amar; principalmente quando se percebe
que o futebol praticado pelo time da CBF não faça graça ou nos dê
qualquer alegria. Pior, faz a alegria dos vizinhos!
Chamam de moderno um sistema no qual uma empresa “empresta”
os símbolos pátrios (hino, bandeira etc) colando-os num produto, composto por
profissionais pagos por outrem, chamado “Brasil”; não é fabuloso? Ou não é o
que faz a CBF, ao se promover às custas de nossa paixão e nacionalismo? Ou ao
utilizar atletas que são pagos pelos clubes, mas coagidos a representar o “país”
ostentando logomarcas de patrocinadores multinacionais mundo afora?
Após a partida contra a Argentina, Neymar reclamou do
comportamento da torcida goiana que, a exemplo da torcida paulista, uma semana
antes, passara a vaiar o time. Pois devo
dizer que ele vai continuar reclamando, porque as vaias não cessarão.
O espírito que envolvia os jogos – mesmos os meros amistosos
– era arrebatador; envolvia a todos e mobilizava a Nação. A expectativa, a
ansiedade e o frisson eram
efetivamente coletivos. Havia clubismo; havia bairrismo; mas também havia
orgulho pelo futebol jogado e, principalmente, identificação com a equipe
canarinho. O Brasil entrava em campo e
calçava chuteiras.
Atualmente, o torcedor mal se lembra que tem jogo; que dirá
uma convocação. Acabou o mel, Foi-se o doce. O encanto virou espanto.
Ou a CBF revê seus planos de expansão comercial,
redirecionando suas ações para o povo brasileiro e recolocando a verdadeira Seleção
Brasileira em campo, ou só lhe restará marcar mais amistosos com a China para
fazer caixa e satisfazer o ego de suas estrelas mimadas , sob aplausos
constrangedores.
O torcedor está revoltado com essa mise-en-scène mercantilista. Queremos um time que desperte nosso
amor; que ao menos saiba cantar o hino nacional; um time que nos cative e que
nos una em torno de um bem comum. O que está claro é que esse aí já não tem
legitimidade: a seleção não nos representa mais. Chega de bancar o patriota
idiota!
fotos de joão sassi
palácio do planalto/2002