sábado, 7 de dezembro de 2013

O G-4 e a depreciação do Campeão


O Flamengo foi mal do Brasileirão?! O Cruzeiro foi campeão?  Quem se importa?
Mais um Brasileirão da "Era dos pontos corridos” chega ao fim. Só falta bater o ponto e apagar as luzes antes do pano cair, burocraticamente. Ou alguém vai sentir falta? Provavelmente, só a torcida do Cruzeiro, por conta dos golaços do Éverton Ribeiro, porque, tirando isso, que estorvo de Brasileiro...

O sistema de disputa é tão chato que o objetivo anunciado pelas equipes (e inflado pela mídia) deixou de ser o título; ninguém admite mais querer ser campeão da parada, mas integrar uma sigla abstrata (G4) e desacreditada (porque deverá virar G3). Para os jogadores, esse discurso é interessante porque tira um pouco da responsabilidade ante a torcida de se prometer o título - “nossa meta é estar entre os quatro primeiros”! Já para a mídia, em geral, e para a detentora dos direitos televisivos, o mesmo discurso estimula um número maior de torcedores a seguir os jogos, afinal, a distância entre o seu time e o “novo” objetivo será sempre muito menor que para a conquista do campeonato – nada como o bom e velho “são muito mais chances de ganhar” para atiçar as massas. No meu entendimento, é um tiro que saiu pela culatra, uma vez que antes os times se digladiavam por 8 vagas de disputa para a fase de “mata-mata”, tornando a disputa muito mais acesa, entre mais equipes e por mais tempo – até a última rodada da fase de classificação, por assim dizer.

Se, nas últimas semanas (onde até a Fernanda Lima ganhou mais espaço na mídia que a última rodada do campeonato), estivéssemos contemplando o espetáculo de uma boa e velha semifinal, duvi-deo-dó que algum dos quatro clubes envolvidos na virtual disputa pelo título estivesse tão conformado, simplesmente, com a vaga para a Libertadores, como ora se vê no semblante dos atuais possíveis contemplados. Estariam, isso sim, com a faca entre os dentes para alcançar à final, e depois para conquistar o caneco. Caso não obtivessem êxito, a vaga para o torneio continental os afagaria o ego combalido... Qual nada! O que era consolo para os perdedores de ontem se tornou troféu para os falsos vencedores de hoje! O conformismo é generalizado, ou duvidam que neste Domingo haverá neguinho chorando a torto e à direito pelos campos do Brasil?

 Se der Furacão, Paulo Baier será o chorão-mor, puxando fila, com Luiz Alberto logo atrás, se debulhando em lágrimas: ex-rejeitados, ora amados!

Se der Goiás, será a redenção dos gordinhos brasileiros verem Walter levar o Esmeraldino à Liberta, e testemunharíamos muitos desses fofinhos emocionados pelo Brasil afora, com os olhos marejados e grudados na tela da TV, com sorvetes e guloseimas à mão, empanturrando-se sem o menor peso na consciência...

Se der Botafogo, então, será o caso de se usar as imagens do desacreditado triunfo para produzir uma novela mexicana, tal o chororô que os devotos da Estrela Solitária costumam produzir, com ou sem motivo, sendo imbatíveis no quesito. Apesar de considerar improvável, este escriba torce pelo Glorioso, não só pelo bem da auto-estima alvinegra, mas como uma singela forma de homenagear Nilton Santos – A Enciclopédia. E se miraculosamente der o Leão da Barra, veremos toda a torcida do Vitória chorando de alegria, enquanto a do Bahia fará o mesmo, mas de tristeza.

E todo esse caudaloso rio de lágrimas e emoções, para que mesmo, intrépido torcedor? Para ser 3º ou 4º no campeonato!!! Pode isso, Arnaldo? Pode o cidadão se contentar com uma desgraça dessas? Ainda mais sob o risco de pagar, à prestação, um micão para a Macaca (que deve roubar a vaga ganhando a Sulameriquinha)? O que significa dizer, diletos arquibaldos do novo milênio, que quem se classificar na quarta colocação não terá qualquer razão para comemorar de antemão; terá, isso sim, de esperar três dias após o término do certame para, então, receber sua possível bênção... Ridículo, patético e catastrófico, não? É a pegadinha do Brasileirão!

O Flamengo, por exemplo, fez seu torcedor passar vergonha durante o ano inteirinho, mas acabou conquistando a vaga no susto, por outros meios. O time é fraco, mas a massa rubro-negra está rindo de orelha a orelha porque, afinal, está entre os melhores da América!  

Um campeonato que mexe com as emoções de milhões, como é caso do Brasileiro, jamais poderia se tornar tão desinteressante, a ponto de ser vendido como uma mera ponte para Taça Libertadores, configurando-se numa distorção de valores que em nada contribui para sua mística. Como se já não bastasse a falta que uma final faz à memória do futebol e do torcedor, agora isso?... Tenha dó!




imagem: marcya reis



quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Diego Costa e a Lei de Gérson


Oxalá, Diego siga sendo apenas um
rosto desconhecido aos nossos olhos...
Dinheiro.

Nenhuma outra circunstância se mostrou tão relevante como o “faz-me rir” no momento em que Diego Costa via seus ovos frigirem. É a deixa perfeita para emo(na)cionalismos aflorarem e o Brasil eleger um novo vendilhão. Podem apostar; nenhum político, até o final do próximo pleito eleitoral, terá recebido críticas tão severas como as que serão imputadas ao novo delantero de La Roja por conta de seu tão recente quanto surpreendente amor declarado à Espanha.

Todos os sonhos nascem puros, e Diego certamente sonhou em ser o novo Ronaldo quando, então com 14 anos, viu o Gordo barbarizar em gramados nipo-coreanos, trazendo o Caneco pra cá. Diego não tinha uma estratégia malévola para enriquecer, que não mostrando ao mundo que Lagarto, em Sergipe, havia produzido um artilheiro de primeira grandeza.

A vida teimava em dizer que não, fazendo-o perambular por aqui e por acolá. Saiu cedo de casa, da cidade, do país e até do continente. Ralou e quase foi esquecido, mas deu um nó na peia do destino e, aos 25 anos, apareceu como estrela do time-sensação do atual campeonato de bola, na terra da castanhola. Até ontem o cara não era ninguém por aqui. Contudo, devido à atual conjuntura (Fred baleado, Pato afogado, Jô escolado, Damião apagado), é ele quem nos convém, embora haja, nessa história, um enorme porém...

Enquanto age por conta de seus próprios interesses, é a CBF quem aparece na foto; é ela, por meio de inqualificáveis elementos como Mr. Teixeeeeeeeeeira e José “Medalha” Marin, que assina contratos e vende a alma da cultura nacional a xeiques árabes e multinacionais norte-americanas. Mas na hora do apuro, quando se faz notar que o caldo entornou e que a principal ameaça ao hexa-campeonato descolou um centro-avante de responsa, apela, ridícula e humilhantemente, ao patriotismo dos atletas em nome da “Seleção Brasileira” e de milhões de torcedores... Como escreveu o jornalista e blogueiro Menon, custava ligar pro cara antes (da merda feder)? Por que passar pelo vexame de tomar um toco em cadeia internacional? Quem faz papel de idiota? O Diego ou a Seleção?

É por essa e por outras que o Complexo de Vira-latas em Pindorama não pode ser considerado suplantado. Aliás, duvido que se tenha feito tanto auê quando o Mazzola virou a casaca, indo defender a Azurra em 62, logo após haver se sagrado campeão do mundo em 58, jogando com a Amarelinha. O cara quer ir, deixa ele ir! Laissez faire, laissez aller, laissez passer...

Pelo Brasil, Diego teria de passar pelo mesmo calvário que Hulk - também nordestino e desconhecido (um duplo pecado para nossa mentalidade colonialóide!) – para poder ao menos lutar por uma vaga no ataque. E mesmo com gols, seria execrado à primeira falha, visto que não tem história ou empatia com nenhum time ou torcedor em paragens tupiniquins. Seria faca nos dentes até conseguir atingir o imaginário popular, uma tarefa hercúlea para quem já caiu nas graças do povo de lá. Se ele jogasse mal até a Copa, ainda assim seria convocado pelo Bigodón deles. E aqui, o que seria se ele não marcasse nenhum gol nos próximos quatro amistosos? Castravam esse fidumaégua! Ademais, teria dito uma voz melosa ao seu ouvido, “melhor garantir a participação em uma Copa do que não jogar nenhuma”...

É natural que a massa se revolte contra aquele que, tendo nascido em solo pátrio, renega a possibilidade de defender suas cores. Mas convém enxergar além para se entender o porquê dessa postura aparentemente déclassé. É o caso de se voltar ao tema e refletir; quem entra em campo: a CBF ou o Brasil? Conforme escrevi neste espaço borogodense, pouco mais de um ano atrás (O Patriota Idiota e o Time da CBF), está cada vez mais difícil convencer o torcedor (e o próprio jogador) de que A representa os interesses de B.

Ou seja, se antes não se contestava Nelson Rodrigues, ora se tem a impressão de que a Confederação roubou as chuteiras da Seleção, deixando a Pátria descalça e sem representação.

Diego Costa não poderia ser mais brasileiro do que é, e é aí que reside nosso inconformismo. Mesmo na carta em que revela sua opção profissional, ele não esconde sua nacionalidade ao expressar-se parcamente em sua própria língua mater – e olha que ele deve ter recebido cola da assessoria!

Não há, portanto, preocupação quanto ao carinho que ele carrega pela suas origens. Há, é notório, que se entender de uma vez por todas que nossa seleção foi usurpada da população, dando lugar a uma corporação que em nada faz lembrar a cultura da nação, senão por querer sempre se dar bem, mesmo estando habitualmente envolvida em suspeitas de corrupção.

Diego, portanto, não disse “não” ao Brasil, mas à CBF. Zé Medalha e Filipón já deveriam ter aprendido com o Teixeirówski: seja no mundo dos negócios, seja na vida pessoal, não importa; o brasileiro gosta de levar vantagem em tudo, certo?


PS: Aproveito e mando um salve pro Canhotinha, que leva o nome de uma lei descarada, mas é boa-praça!!


imagem: joão sassi


sábado, 3 de agosto de 2013

Seu Boneco e a Liturgia Antropofágica do GOAL!

Já não era sem tempo; a FIFA precisava mesmo dar um jeito nesse pandemônio.
    
              
"O erro do intelectual consiste em acreditar que (...) possa ser um intelectual mesmo quando distinto do povo-nação, sem sentir as paixões elementares do povo (...)." - GRAMSCI

Após a patética e constrangedora publicação de um manual pelo qual a FIFA buscava civilizar a população nativa durante a Copa das Manifestações, orientando-a como “torcer” e “vibrar” adequadamente, o chorume de idéias geniais derramadas sobre os campos brasileiros se propõe agora a educar e a conter os ânimos dos atletas. Anseiam o controle absoluto sobre o comportamento de jogadores e torcedores dentro de um estádio; espaço paradoxalmente concebido para a prática de atividades que afloram as emoções dos presentes ao máximo.

É como se pudéssemos ler o caput do seguinte artigo: Sobre a feitura e conseqüente comemoração do “goal” em shoppings brasileiros. Artigo Único: Faça o goal e finja que não o fez; engula sua alegria a seco e retorne, de imediato, ao seu campo para que o árbitro dê seguimento ao jogo...

Seria esta a regra grafada no inconsciente coletivo de nossos capachos dirigentes? Do contrário, como justificar a cena grotesca de ver, nas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro, o pessoal que faz a segurança das novas “arenas” retirando jogadores do Flamengo e do Botafogo, à força (!), dos braços de sua própria torcida? Como tolerar a interferência doentia de uma lei, regra ou norma, estúpidas e frias, no âmago de uma comemoração de gol – a mais sagrada liturgia do povo brasileiro? Seria o caso perguntar se os nobres dignitários do esporte comem cocô? Talvez.

É líquido e certo que a nata da intelligentsia ludopédica tupiniquim - baba-ovo do estrangeiro que é - jamais ouviu falar do Manifesto Antropofágico, não ambicionando, portanto, a produção cultural ou a promoção de algo verdadeiramente original.  

Se essa “elite da bola” tivesse se instruído adequadamente e aprendido a depurar um pouco seu irrefreável pendor ao vira-latismo, curvando-se somente àquilo que de fato merecesse reverência (como o respeito ao torcedor, por exemplo), toda a bazófia escutada nos últimos tempos sobre a europeização dos estádios brasileiros poderia até começar a fazer algum sentido. Mas não faz. Para essa putada que rege as leis do esporte, não basta copiar; tem que piorar! Mesmos gastando bilhões do erário erguendo arenas para inglês ver, essa corja logrou fazer filas monstruosas para um público de parcos 13 mil pagantes, como ocorreu no jogo do Fluminense, no Maracanã. Isso com nêgo pagando 100, 200, 300 mangos ou mais!

Maracanã que, registre-se, cumpriu com louvor a missão de fortalecer a identidade nacional em plena concordância com os moldes antropofágicos: como bom brasileiro, morreu antes do tempo, coitado, mas fez em vida o que lhe foi possível para honrar o espírito da miscigenação tupiniquim, reunindo ao redor daquele campo sagrado um rico, denso, democrático e representativo caldo de cultura brasileira.

Tomamos o que era dos gringos e fizemos um produto legítimo, com requintes de beleza, autenticidade e criatividade jamais vistas ou sequer imaginadas por outras nações – pelo POVO, e não pelo MARKETING, transformamos um esporte em arte, e as arquibancadas em Carnaval. Se o futebol carrega hoje o nome do Brasil nas costas, parte desse legado se deve à torcida brasileira, essência da identidade nacional. E vem então, de lá, a pilantrada do Rolex e da champagnota dizer que vai punir quem desse povo se aproximar? Que vai punir os jogadores e botar “armários de terno” para apartar? É isso mesmo, Lombardi? O que esses caras comem de manhã, afinal, cabe novamente perguntar.

Pois eu quero é que proíbam, mesmo! Que punam, mesmo! Que arranquem os cabelos esses canalhas de gravata, seus patrocinadores de merda e demais parasitas da paixão popular, pois assim é que os caras vão fazer “errado”, mesmo! Vão tirar a camisa e chorar, como o doce menino Bernard, mesmo! Que o expulsem de campo! Que se perca a invencibilidade no Horto! Foda-se, pois além de já haver levado a taça da Liberta, o que ficará para a história é a imagem de um moleque feliz e em Paz com sua massa. Infelizes são o juiz e sua comissão arbitral, com sua inflexibilidade moral.

E vão continuar a escalar o alambrado, como o Gordo Ronaldo. E vão subir a escadinha e se jogar no mar de gente, como já fizeram Fred, Elias ou Neymar. Que se foda o cartão dado pelo senhor de preto que, podendo ser revolucionário simplesmente por ter bom-senso, prefere a covardia da autoridade intransigente.

Na verdade, estamos loucos pra essa tal “COPA FIFA” (que no meu tempo se chamava Copa do Mundo) chegar aqui no Brasil. Que venham todos para curtir o valor dessa gente bronzeada e participar das manifestações. Mas que não se espantem com nossos grosseiros modos antropofágicos ou com nossas idiossincrasias quanto às orientações e demais exigências do Império. Afinal, se a FIFA vive se jactando de não haver imposto Mundial ao Brasil, é certo que ninguém por aqui pediu quaisquer das imposições que vieram a reboque.  Que não nos julguem ou se espantem, portanto, se um Dante encarnar Macunaíma em plena final de Copa, arriar o calção, dar as costas à  tribuna de honra e, como Seu Boneco, ir pra galera! Afinal, isso aqui-iô-iô é um pouquinho de Brasil iá-iá...

“Contra a realidade social, vestida e opressora, a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciária do matriarcado de Pindorama” – OSWALD DE ANDRADE



foto: joão sassi





Post Scriptum:

Parágrafo Primeiro: não será permitido ao scorer tacar longe o uniforme e correr alucinadamente com mensagens de amor escritas ao torcedor;

Inciso Um; a referida traquinagem será punida com cartão amarelo e deboche do narrador (mesmo que seja gol de título feito aos 49’ do segundo-tempo da final da Libertadores, na Bombonera).

Alínea única: Caso seja a partida de despedida do anotador, recomenda-se a expulsão do meliante e a execração pública.

Parágrafo Segundo: será terminantemente vetado ao scorer escalar o alambrado para saudar a massa insana.

Inciso Um: tal ato de vandalismo incorrerá em multa e espancamento sumário dos atletas envolvidos pelos agentes-FIFA presentes, estejam estes fardados ou infiltrados, à paisana.

Parágrafo Terceiro: proibir-se-á o acesso do scorer e de seus asseclas às escadinhas dispostas nas laterais do campo ou atrás das metas, com vistas a pular nos braços da galera, em júbilo e glória.

Inciso Primeiro: tornado crime hediondo, tal infâmia será passível de capação e venda imediata do referido atleta e de seus comparsas ao futebol chinês. Sorrir pode, mas, necessariamente, à inglesa.

Alínea Última: Após o tento, recomenda-se fazer o sinal da cruz e apontar os dedos para Deus-Todo-Poderoso ou para a marca do patrocinador exposta no uniforme, bem como em outdoors espalhados ao redor do campo. Fazer coraçãozinho com as mãos também pode, à exceção do Richarlyson.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Monumental Mané Nacional

No novo Mané, o torcedor  é tratado na base do copinho plástico e sem direito a  pôr-do-sol.
    Vamos analisar como foi a real inauguração do Estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Longe de mim querer desmerecer a decisão do certame local, mas inauguração meia-boca não conta, sob risco de termos de meter no fiofó... Digo, nos anais da FIFA o gol de Toinho Britadeira - impedido e com a mão -, marcado na pelada dos operários (bem antes do tento anotado pelo Bocão, na final do Candangão 2013). E nem mesmo o Governador Agnelo, que arbitrava aquela ocasião, teve culhões para impedi-lo de fazer sua comemoração. E ainda teve e ouvir o grito que veio lá das arquibancadas ainda empoeiradas, de onde alguém fez ecoar pelo concreto armado: - Frouxo!

Frouxo mesmo, porque antes de dar início à prosa, faz-se necessária uma emblemática informação: consta que o estádio foi alugado por meros 4.500 reais para a realização da partida – o que o GDF prefere chamar de “taxa operacional”. Você não leu errado: um estádio que custou aos cofres públicos 1,5 bilhão foi “locado” a um espertalhão de ocasião por alguns trocados. E pensar que neguinho ainda se dá ao luxo de pegar fila para casar na Catedral ou na Igreja Dom Bosco... Que declassé! Vai no Mané que é baratinho, bobo!

Pois foi exatamente o que fez um astuto e idôneo (ainda que obscuro) empresário super antenado nos movimentos do mundo do futebol e também ligado a decrepitudes da CBF, como Mr. Teixeeeeeeeeira: -“Bola que rola não cria limo!” – eis o seu mantra. Baseado no andar da carruagem, pagou ao time da Vila a bagatela de 800 mil pilas e saiu de Brasília com uma renda de 7 milhões no porta-moedas – novo recorde nacional -, sem contar o faturamento dos bares! Para registrar que o negócio foi bem às claras, o Peixe sequer divulgou as credenciais do novo parceiro, e mesmo assim, a “Empresa Misteriosa” embolsou essa fábula graças ao dinheiro público e à presença maciça do próprio público. A julgar pela logística envolvida em aspectos primários como, por exemplo, a venda e a troca de ingressos, o lucro foi exorbitante.

No meu caso, dispensei quase seis horas da última sexta-feira para obter o que me pertencia a pesados custos. Percebe-se, desde já, que estádio de primeiro mundo não quer dizer serviço de primeiro mundo. Em outras palavras, estruturas de primeiro mundo podem muito bem servir à gananciosa mentalidade do terceiro mundo. Não há, por estas bandas, a cultura da ética e do comprometimento com a qualidade ofertada entre os acordos firmados. Fica tudo no discurso emplumado e só.

As autoridades, como de costume, passaram a semana inteira desfiando as besteiradas de sempre, repletas de informações inverossímeis e desconectadas da realidade que todos estão vendo. Após a imprensa divulgar eventuais falhas, o tal do secretário da farra, representante do governo local, foi capaz de negar o que 70 mil almas testemunharam: a explosão de um rojão sob as arquibancadas do estádio, ocorrida quase no fim da peleja: - “Recebi informações de que nenhuma bomba explodiu no interior da Arena!”, disse ele, com a maior cara-limpa! E disse mais: - “Se houve água fria [nos vestiários], vamos investigar!”. Como assim, se, além dos técnicos, até o árbitro mencionou isso na súmula; e o cara ainda lança a dúvida (se)? Assim é o mundo moderno, caro George Orwell...

Dando prosseguimento à conversa, boa parte dos arredores do complexo esportivo está mais para canteiro de obras que para estacionamento de Copa, principalmente a parte voltada para o autódromo Nelson Piquet e para o ginásio Nílson Nelson. Há muito barro, poeira, brita e sujeira espalhada por todos os lados, além de piche, entulhos, pedaços de concreto e sobras de obra; rola até parafusos atarraxados ao asfalto, prontos para uma topadinha dedal ao cair da noite! Adicione-se a isso a falta absoluta de placas informativas do lado de fora e uma interminável cerca de arame que isola o Mané e que não traz qualquer referência que oriente o torcedor – uma contradição numa capital edificada sobre pilotis (pilastras) que permitem o trânsito livre de seus cidadãos. O ingresso informa seu portão de entrada, o que só vale se você já passou pelo suplício da “fila única”, do lado de fora da cerca de arame – isso não está impresso em nenhum folheto ou parte do ingresso; nem mesmo as autoridades nos advertiram da tal fila externa. Resultado: foram mais de duas horas entre longos percursos em volta ao estádio, curtos passos na fila interminável e uma espera infinita, até, por fim, voltar a sorrir.

Porém, até esse sorriso voltar ao rosto de cada um, até o grito de “Mengô!” eclodir do peito de cada qual, quantas horas de impaciência e irritação não contaminou a todos? Quantos filhos pequenos, cansados pela espera, de empolgados não passaram a irritados e irritantes? A quem responsabilizar pela quebra dessa onda? Pela dissipação dessa energia mágica dos estádios. Como ousam nos submeter à contrariedade quando, em verdade, pagamos pela alegria e pela celebração? Quem leva a culpa pela ausência de cantos ou demonstrações de êxtase por parte da imensa torcida, a poucos minutos do início do jogo? Em vez disso, apenas lamentações e reclamações saídas de bocas semicerradas e amarguradas.

Somado ao tempo que levei para trocar o ingresso, eu já carregava oito horas de fila nas pernas, mesmo tendo gasto nababescos 160 mangos para estar ali. Éramos milhares de mártires demonstrando nossa fé ao suportarmos, passivamente, horas de provação sob o sol, não se incomodando ou se revoltando por pagar, no meu caso, vinte reais por hora de fila... O Capitalismo realmente é um troço muito lucrativo. Vale mencionar que ninguém informou aos torcedores que toda a ala norte do complexo estaria fechada pelas instalações do canteiro de obras, obrigando infelizes consumidores (yo, incluso) a perderem um tempo insano para contorná-las no intuito de alcançar a “Centopéia Maluca” - nome dado à fila quilométrica resultante da atuação incompetente e omissa da “Empresa Misteriosa”.

Uma vez dentro, o negócio é correr para não perder o começo do jogo; objetivo alcançado apenas por uma parte dos presentes. A visão é linda e o estádio demonstra certa necessidade de que reconheçamos sua colossal aparência, mas tudo fica meio forçado quando nos deparamos com uma construção ainda incompleta. Há sujeira característica de obra inacabada, muito “concreto cru”, sinuosidades, emendas e junções bem rústicas, além de poças d’água e certo ar de incompletude. No bar próximo à minha ala, amadorismo total, com filas à la ancient Maracanã, confusão, furação de fila e Brahma quente; razão pelo qual tive um piriri monumental durante a madrugada.

As instalações internas, falam, são mais espaçosas que a média no Velho Mundo. Ouvi dizer que lá a gringaiada se aperta e se espreme nas cadeiras, enquanto que aqui o espaço para os ombros seria excelente. No entanto, considerando a verticalidade das arquibancadas superiores, a espessura dos degraus de acesso é ridiculamente estreita! Qualquer correria inesperada e o que vai ter de flamenguista rolando arquibancada abaixo vai ser digno dos tempos em que não tinha bondinho no morro. Para não falar do espaço pros joelhos: um acinte! Minha mulher, na tentativa de alcançar seu assento com o périplo já iniciado, desequilibrou-se no trajeto e se viu na obrigação de se agarrar aos bigodes de um sujeito para não despencar lá de cima. Se os colegas não se levantarem para dar passagem, o risco de tombo é enorme – é aguardar para ver.

Outro aspecto que merece citação negativa e incrédula da minha parte é verificar a inépcia oficial para se fomentar a cultura nacional: durante toda a tarde, nem um único acorde tupiniquim foi escutado pelos auto-falantes, dentro ou fora do Mané, mas somente pop melody. Como o futebol passou do samba ao pop? Por que querem transmitir a sensação de que estamos nos Estados Unidos, e não no Brasil? Por que tão canhestra demonstração de subserviência, ignorância e servilismo cultural? A droga da Copa não vai ser realizada em solo pátrio? Não é a cultura brasileira que deveria servir de parâmetro, pelo menos naquilo que sabemos fazer bem (música)? Mesmo assim as colunas se curvam ante o poderio do dominador...

E olhem que de longe se escutava o espôrro, visto que a potência máxima das caixas de som foi testada com enorme sucesso, a despeito dos tímpanos de boa família. O nível é tal que não se pode conversar, que não na base do berro na lapa da orêia. Ou isso, ou nos contentar em curtir um hit do Phil Collins durante o intervalo. A presença brasileira se deu numa honrosa exceção feita ao anglicismo musical preponderante, quando, noutro momento retrô, o mago por trás dos botões fez soar pelo estádio o “Conga-la-conga”, da inesquecível (e ainda atual) Gretchen – considerando, é claro, que isso possa ser classificado como música nacional. No telão de última geração, casais flagrados em zoom se atracavam aos beijos em meio a corações virtuais (certeza que o operador era o mesmo sujeito que botou o Phil Collins). Era se reconhecer na tela e meter a língua na boca da gata ao lado; uma beleza! Na plateia, nada de bandeiras, batucadas ou demonstrações por demais abrasileiradas, a não ser, é claro, pela onipresença de cartolinas com o logo da TV e o indefectível “filma nóis”! Bandeira, chuva de papel higiênico, tambor e Charanga do Jaime que é bom, nécas! Viva a plateia europeia!

É meu dever dizer, então, que o roteiro promissor não foi seguido pelos jogadores, produzindo um espetáculo enfadonho. Lá fora, o céu se punha púrpuro, lilás e tudo mais, ainda que muito pouco se visse cá dos assentos, dada a insensibilidade dos projetistas. Um cuidado um pouco maior dos arquitetos quanto à cobertura, e teríamos uma beleza clássica digna de um Coliseu ou de um Parthenon. No campo de jogo, a grama ainda não estava bem afixada; era feio ver aquela areia subindo a cada bicuda, algo nada digno de um estádio de Copa. Ademais, nem mesmo a despedida sem timing do Neymar serviu para temperar o embate que foi um verdadeiro saquinho de pipoca. Um implacável 0x0 recaiu sobre os torcedores, emprestando ao céu da boca de todos os presentes aquele saborzinho mezzo amaro de cabone d’umbrella, obrigando à massa insatisfeita uma debandada para lá de desonrosa.

Dado o exposto, ratifico o proposto e afirmo que estreia meia-boca não vale. Não deu pro Britadeira, nem pro Bocão, nem pro Neymar; ficou para a próxima a tal da inauguração. Hão de nos convencer que estamos sendo respeitados e bem tratados.

Caminhando a esmo, em meio aos entulhos e à poeira, ao menos me consolo com o céu de Brasília, que continua dando espetáculo, e de graça.


foto de marcya reis

domingo, 28 de abril de 2013

Maracanã: chucrute com banana


O índio e a influência européia: intercâmbio cultural?


O alemão Uli Stielike, campeão da Euro1980, declarou o seguinte em relação ao processo de modernização pelo qual atravessa a Deutsche Fußball Liga: - Nos inspiramos em outros modelos, mas sempre preservando a nossa identidade.

Leio com atenção suas palavras, pois atenção é coisa que não se dispensa quando se trata do povo alemão. Já escutei em algum lugar o João Ubaldo Ribeiro dizer que “o alemão é um povo doidão, mas uma doideira alemã”. Ao que me constava, eram organizados, eficientes e perfeccionistas, ao passo que agora descobrimos nós, os desavisados, que estão um passo adiante. Nas palavras de Jürgen Klopp, técnico do Borussia Dortmund, “os alemães não sabiam que poderiam ser tão despreocupados, felizes e alegres”.

Há relativamente pouco tempo, coisa de uma década atrás, era quase inimaginável ver um jogador preto trajando o branco imponente da outrora seleção ariana. Hoje, no entanto, as novas gerações assistem a isso como se sempre houvesse sido assim. Trata-se, porém, de um desfecho emblemático aos pretensos ideais de “pureza étnica” que tanta vergonha causou ao povo alemão e à humanidade, coisa de meio-século atrás. Se verdadeira a afirmação de Darcy Ribeiro que a miscigenação brasileira nos preconiza como ‘o país do futuro’, então os alemães, sempre eficientes, já se tocaram disso e começaram a misturar sua gente. Já o brasileiro, velhaco que é, copia o alemão, à sua maneira, claro. Importamos a estética, importamos os custos e o “modelo”, mas deixamos nossa cultura de lado. Talvez porque esse papo de cultura seja coisa de país subdesenvolvido, nativo preguiçoso e vagabundo. Chique mesmo é copiar o colonizador.

Enquanto o alemão importa nossa morenice e desendurece sua cintura a cada geração, importamos conceitos comportamentais, econômicos e arquitetônicos, sempre à nossa moda. Enquanto eles enchem os estádios de ambiente familiar a preços módicos e futebol total, nós destruímos nossa memória erguendo inconseqüentemente templos de consumo destinados a uma nova e seleta categoria de torcedores.

Durante os últimos anos, os menos importantes dos torcedores – aqueles que se tornaram anacrônicos às pretensões empresariais de seus clubes – reclamaram e protestaram contra a forma como os estádios se modernizavam: marquises, dimensões históricas, anéis superiores, túneis, nomes (!), arquibancadas, e até traves e redes, em suma, toda a tradição, a história e a identidade dos estádios brasileiros foram impiedosamente postas abaixo, de modo que até mesmo a simples denominação foi alterada, pois de estádios passamos a ter de aceitar a onipresença do aburguesado conceito de “arenas multiuso”; centros de compras tão grandes que comportam, inclusive, um campo de futebol. Em meio ao jogo de bola e à paixão do torcedor interpôs-se o lucro como primazia, e a relação entre o campo e as arquibancadas, antes direta e informal, será doravante mediada por rituais de consumo automatizados.

Não faz muito (2005) e nos despedíamos da Geral, mero conceito de um espaço que, por si só, revelava a natureza e a universalidade da alma brasileira. Para, contudo, mostrar ao mundo o valor dessa nossa gente bronzeada, acabaram com o espaço por ela majoritária e historicamente ocupado. Foi-se a democracia étnica e social, acabou-se a mistura e a loucura geral... Agora o senhorio europeu podia até vir aqui, ver como sabemos nos comportar bem.

Mas ainda assim, restava muita gente, muito povo – essa gente insistente – ocupando os espaços públicos, atravancando o progresso da nação. Tinha até índio na parada! Melhor destruir a pôrra toda, pois não foi assim que espanhóis e portugueses conquistaram a América Latina, mais de 500 anos atrás? Deve ser um bom plano: - “Porrada nos índios e põe o resto abaixo!”, anunciou Cabral, que não o Pedro.

Sinhozinho Dotô Ricardo já tinha revelado, em tom diabólico, lá pelos idos dos anos 90, que se o Brasil quisesse um dia sediar novamente a Copa, só pondo abaixo o Maracanã... –, o que soou tão despropositado e bizarro aos ouvidos dos jurássicos torcedores de então que muito não se fez contra o impropério, senão desejar uma lenta e dolorosa morte ao seu autor, preferencialmente por empalamento. Teixeirowski apenas sorriu, esfregando sadicamente as mãos; sua vingança seria malígrina...

Então, assim, entre uma reforma e uma mentira, uma fila e um cambista, uma caceteada e um gás de pimenta nos olhos (que, sendo os alheios, é refresco para a nata carioca) os estádios foram todos postos abaixo. Uma canetada aqui e um aperto de mão ali e pronto, o Brasil está no mesmo patamar que o mundo desenvolvido! A custos astrolábicos, obtivemos nosso passaporte para adentrar a civilização com bola e tudo, metendo cafuzas e fulecos por sob as caxirolas alheias. As mulatas sambando e os contumazes shows artificiais de breguice latina vêm a reboque, como se quem os organizasse não fosse um profissional brasileiro, e sim o dono do bordel freqüentado por Mr. Teixeiraaaaaaa, na Flórida.

Que a Copa não era ‘do’ Brasil, e sim da FIFA, já sabíamos, mas que a Copa fosse ‘no’, Brasil, quanto a isso não tínhamos dúvidas, o que ao menos nos servia como alento e consolo. Mas quem se aventurar (e conseguir) assistir a um jogo da Copa, poderá pensar que se está em um lugar qualquer (Guaporé?), que não o Brasil. O primeiro desafio será descobrir o estádio, já que, por dentro, todos parecem exatamente iguais. À primeira vista, não consegui distinguir o Castelão da Fonte Nova ou o Mineirão do Maracanã. São todos insípidos, inodoros e incolores, e seguem o mesmo e monótono padrão.

Olhando à sua volta, o infeliz logo cedo irá atinar para a frieza do local e para o esquema de segurança de primeiro mundo, com homens uniformizados e roboticamente disciplinados, e ficará impressionado com o sistema de luzes e de som, com a qualidade dos telões e do gramado (será mesmo?), bem como com a limpeza das áreas de acesso e com o asseio dos banheiros, e também com a pequena distância do seu assento em relação ao campo.

Por outro lado, não haverá mais tanta gente queimada de sol ao seu lado, nem acima ou abaixo. Não haverá tantos desdentados sorrindo e cuspindo perdigotos sobre sua cabeça. Nem suor, vibração, saco de mijo ou excesso de emoção. Nada próximo de folclore ou tradição. Não vai encontrar acarajé ou feijão-tropeiro, mas certamente poderá saborear um Bic Mac. Notará decerto que o comportamento do torcedor não é mais espontâneo, mas padronizado, observado e monitorado. É todo mundo comportado.

Isso talvez o deixe satisfeito e orgulhoso de ser brasileiro e “civilizado”, ainda que, nesse caso, o gentílico já não carregue a mesma essência e significado dos tempos de Garrincha, Pelé ou Zico, e não expresse mais nossa identidade – aquilo que nos diferenciava e fazia de nós um povo original, invejado e admirado pelos demais. Mas isso é coisa de gente nostálgica, dos tais saudosistas; daquela gente ultrapassada que não se esquece do tempo em que éramos apenas despreocupados, felizes e alegres...


foto: joão sassi
sobre grafite de rua SP
autor desconhecido

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Afunda, Robinho!


Conformado, o craque celebra: - Daqui o professor disse que eu posso render mais!...



As coisas estavam ficando realmente difíceis para o time do Santos. Refugiado em meio aos torcedores do Bolívar, eu tremia como pinto molhado nas gélidas arquibancadas do Estádio Olímpico de La Paz; sequer ousava tirar a mão do bolso para alcançar uma botellita de red label fasifiki (descolada mais cedo no Mercado Central). Contentava-me em seguir o coro da massa, “bo-bo-bo, lí-lí-lí, var-var-var: BOLÍVAR!!!”. Mas apesar do calor humano, a noite estava friíssima. E logo a chuva e o vento tratariam de trazer um pouco mais de sofrimento, tanto aos torcedores como aos jogadores.

As arquibancadas estavam todas em Azul Celeste, cor do time anfitrião, lotadas. Não que a equipe paceña o merecesse – longe disso -, mas pelo fato de Robinho estar em campo. O ano era de 2005, e a partida era disputada ainda pela fase de grupos da Libertadores. Todo esforço era válido para ver a jóia praiana em ação. Por isso encarei a epopéia de ir a campo me extasiar. O Peixe perdeu por 4 x 2, pois, além do frio e do campo encharcado (tipo charco mesmo), viu aliar-se ao adversário a Senhora Dona Altitude e um juiz amigo dos hômi. Mesmo assim, Robinho foi o destaque absoluto com impressionantes arrancadas (numa das quais saiu o segundo gol santista), deixando os bolivianos aterrorizados, além dos fantásticos dribles que, de hábito, aplicava. A torcida delirava quando lhe tiravam a bola, ainda que a patadas, mas não tirava o sorriso de satisfação do rosto com as incríveis jogadas testemunhadas.

Ao longo daquele ano, compartilhei do suplício alvinegro ante a iminente debandada do craque para a Europa. Também sentido, mesmo que em silêncio, por todo torcedor brasileiro, encantados que estávamos pelas pedaladas e estripulias do menino vicentino. O projeto “Fica, Robinho!” foi simpático, tocante, mas não o suficiente para sensibilizar o coração daquele calunga ousado e irreverente que, sabíamos – tínhamos mesmo a certeza, ora, bolas! -, representava o futuro do futebol brasileiro.

Pois não é que o seguro morreu de velho e ficamos todos com a cara no chão?

O que aconteceu de lá pra cá com esse garoto é de entristecer a alma do menos nostálgico dos aficionados pelo violento esporte bretão. No Real, virou reserva galáctico de luxo; mesmo lugar que ocupava no “quadrado mágico” do selecionado de Parreira (ou seja, nenhum). De Madrid, partiu com o peito estufado em busca de novos “desafios”, no que foi recebido como craque no City, de Manchester, onde, se fez alguma coisa, simplesmente não me lembro (e estou muito preguiçolento para pesquisar na rede). Antes de sair definitivamente, fez um curso de “Figuração Express” em sua velha conhecida Vila Famosa, servindo como coadjuvante para o brilhar inebriante dos ascendentes Ganso e Neymar. Saiu fazendo careta e forçando cara de menino, dizendo-se o velho Robinho, embora, na verdade, estivesse só ficando mais velho e cada vez menos Robinho.

Metamorfose que se confirmou naturalmente quando abarcou ao Milan, já com um inquebrantável ponto de interrogação que pairava perenemente sobre sua cabeça. “Quem é esse? É aquele outrora responsável por espalhar a esperança e transformar sal em mel?”, perguntariam, incrédulos, Milton Nascimento e Fernando Brant. Aquele, das sete pedaladas em cima do Rogério na final do Brasileirão; é esse mesmo quem está ali, esquentando o banco do tradicional San Ciro?

Pois, sim, caros senhores, é esse mesmo. O tal que foi nosso principal líder (?) na Copa passada e que, quando fez o gol contra a Holanda, ajoelhou-se e benzeu-se como se enfim houvesse dado cabo à sua divina missão nesta Terra.

Hoje, tudo o que se ouve do ex-futuro-Pelé são críticas quanto ao alisabel que ornamenta suas madeixas, e nada mais. No Brasil, seja entre especialistas, seja entre torcedores, seu nome sequer é cogitado para a próxima Copa - quando, em teoria, aos 30 anos, teria a oportunidade de desfilar o fino da bola, como fez o Rei, em 1970, ou o Galinho, em 1982. Mas, não. Preferiu seguir os passos daqueles que já se acham maduros o suficiente, dos que acham que não tem mais nada a aprender, tornando-se subproduto de sua geração narcizóide. No futuro, o sorridente Robinho será lembrado por suas pedaladas juvenis e, com alguma boa vontade, como o cara que “arrebentou” na Copa América de 2007.

É pouco... Profundamente pouco para quem já deu, um dia, o enganoso indício de que estávamos no caminho certo. Parece que Robinho andou pedalando pro lado errado.


foto: joão sassi

quarta-feira, 27 de março de 2013

Seedorf no Vermelho


Acima, flagrante do negão batendo um baba em terras baianas, logo ao desembarcar.


Ver Clarence Seedorf deixar o gramado com o juiz levantando o cartão vermelho foi de doer.

Pior que isso, só mesmo atestar o reacionarismo de tantos jornalistas que aplaudiram a expulsão do craque. Julgam “não haver espaço para o meio-termo, havendo que se respeitar a autoridade do juiz”. Involuntariamente, deixam no ar a triste percepção de que preferem o autoritarismo ao bom senso.

Agem como capatazes, insensíveis bedéis que buscam na rigidez das regras um ombro seguro que lhes respalde e ampare a existência, tal e qual o policial que, para ocultar sua covardia e insegurança diante da vida, investe seu tempo e pensamento na repressão a seu semelhante.

Os árbitros são mediadores, e não partes interessadas; deveriam, portanto, interferir com poucas palavras e sensatez; à surdina. Em campo, no entanto, só vislumbram adquirir respeito mediante uma atitude policialesca e autoritária. Quem pelejou com a bola nos pés, vida afora, sabe como é difícil o diálogo entre juiz e jogadores. Puderam aprender que os homens de preto utilizam o cartão como instrumento de coação, e não como punitivo. Teimam em “disciplinar” o atleta por meio da ameaça (“Olha que eu te ponho pra fora! Cala a boca!”), quando o correto seria a mera aplicação da regra.

No caso do camisa 10 botafoguense, um simples acréscimo de tempo bastaria para compensar a suposta cera do holandês, um exemplo de conduta e caráter dentro e fora das 4 linhas – duvido muito que o Madureira tenha se sentido mais satisfeito com sua expulsão do que com um tempo maior para tentar empatar o certame. O mundo não cairia se o apitador tivesse segurança no que faz e apenas punisse o infrator com aquilo que este tentara “roubar”, prolongando o tempo de jogo. Mas Vossa Eminência preferiu mostrar que tinha bagos; “quem manda nessa porra sou eu!”, espevitou. Conseguiu todas as manchetes no dia seguinte e deixou o jogador-modelo fora da próxima partida deste já bastante minguado carioqueta, punindo, por tabela, o torcedor - parabéns, Fritz!

Seedorf representa o que há de melhor dentro da parca intelectualidade futebolística nacional. Além de dar moral pro combalido Fogão e de levantar a auto-estima do traumatizado torcedor alvinegro, o simpaticíssimo holandês nascido no Suriname é excelente cidadão e distribui noções de ética e elegância por onde quer que passe. É do tipo que seria aceito em qualquer casa real, para deleite da fidalguia e das altezas presentes. O sangue de Seedorf é mais azul que o da Rainha da Inglaterra e de todos os seus parentes.

Ele é filho da escravidão secular que tarda em imperar na América Latina, mas como um Darcy Ribeiro dos relvados, tomou consciência de sua própria condição e se fez ouvir por meio de suas nobres potencialidades, subvertendo a lógica do colonizado para dar aula aos imperialistas de plantão. E, além de tudo, o negão canta bem pra cacete e tem bom gosto na melodia.

Como é, então, que Mister Fritz nos arma uma presepada fulêra dessas, inventando de resgatar a autoridade senhorial ao castigar este exemplo de atleta que tanto nos orgulha hospedar, salpicando-lhe vilanias à moral e tingindo com a nódoa de uma vexatória branquitude colonialista o seu lombo de ébano surinamês? Covardia é ridicularizar o professor na frente de seus alunos, só porque senta o rabo na cadeira de diretor.

Às favas com a irracionalidade e com a dureza do espírito arbitral brasileiro!


foto: joão sassi
Olivença - BA 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Bola nos Tempos de Outrora


O Mané Garrincha fugirá às suas tradições para receber "torcedor de elite".




Todo menino é um rei. Eu também já fui rei, e como tal, achava que tudo aquilo que havia acontecido antes do meu nascimento fosse algo muito distante de mim. Na infância, o tempo é abstrato.

Naquela época meu pai costumava falar muito da seleção brasileira, então tricampeã mundial. Aos dez anos de idade, eu já tinha alguma intimidade com os scratches de 58, de 62 e de 70. Sabia quem eram, por exemplo, o Príncipe Etíope, a Enciclopédia, o Peito-de-Aço, o Possesso, bem como o Canhotinha-de-Ouro, o Capita, a Patada Atômica e, claro, o Furacão da Copa. Sabia até mesmo que Brito, o beque-central, era o melhor preparo físico daquele time tricampeão.

A consagração no México havia ocorrido há pouco mais de uma década, ainda que no meu raciocínio infantil a magistral campanha do tri fosse coisa de muito tempo atrás. Minha única ligação com aquele espaço-tempo era, pasmem, o Rei Pelé, pelo simples fato de havê-lo visto jogar pelo Flamengo, num amistoso contra o Galo; o que nem de longe me credenciava a pensar na seleção de 70 como uma coisa próxima ao meu tempo. A TV era P&B, a antena não funcionava e eu contava somente quatro anos, mas Pelé é Pelé, e disso ninguém esquece.

Foram, entretanto, tantos e tão ricos os detalhes e informações que me foram sendo carinhosamente legados e transmitidos ao longo da infância, que sou capaz de sentir a nostalgia que meu pai um dia sentiu. É o que acaba de ocorrer, há pouco, quando assisti, pela enésima vez, ao documentário “Isto é Pelé”.

A locução grave, com caráter de história oficial, o som ambiente dos estádios ou mesmo a ausência total de ruídos em alguns gols exibidos conduzem o telespectador àquele tempo que já passou. Tempo este em que os jogadores se abraçavam desprovidos de vaidade ou malícia marqueteira, quando ainda não havia telões ou câmeras para se buscar na hora do gol (à época, um gozo coletivo). Nesse tempo, as camisas eram de algodão e as traves de madeira, quadradas. Foi um tempo em que se chorava após uma grande conquista ou grande feito alcançado – a alegria surgia antes dos dividendos, pois a seleção era formada por pessoas comuns, à feição dos que por ela torciam. Nem a ditadura conseguiu fazê-la menos brasileira.

Foi um tempo em que as emoções afloravam espontaneamente, e que teve seu ápice na participação massiva da torcida no desfecho daquela Copa, que abraçou (literalmente) o time canarinho na grande final, naquilo que se configurou numa das mais espetaculares demonstrações de afeto a uma equipe de futebol – e nem brasileiros eles eram! As bandeiras, os rojões, a chuva de papel picado e o público eufórico invadindo o campo fizeram daquela celebração uma das mais tocantes já vistas no esporte mundial, tornando o Estádio Azteca um lugar sagrado para nosso futebol. As cenas são de arrepiar os cabelos do careca.

Nos dias de hoje, mais de quatro décadas após a consagração da seleção nos gramados mexicanos, tenho para mim que esse tempo não está tão distante assim. Na verdade, ele está bem mais próximo agora do que no meu tempo de criança. Talvez porque a contemporaneidade seja palco de uma humanidade obcecada pela futilidade da vida e pelo profissionalismo dos negócios. Talvez porque, por conta disso, os jogadores tenham desaprendido a brincar de bola sem que tenham, de fato, aprendido a jogar futebol.

Trata-se de um universo diferente, formatado cotidianamente pela mídia, e não mais ancorado na tradição oral, passada de pai para filho (quando pais e filhos ainda conversavam). Nesse mundo novo, os estádios de futebol e toda a cultura local ali existente foram desintegrados, dando lugar a shoppings que, sabe-se lá por que razão, são chamados de “arenas”. Os torcedores que ali festejavam, por sua vez, foram banidos e substituídos por consumidores.

No mundo de hoje, enfim, o povo não recebe convite para a festa que ele mesmo criou. Deu lugar a torcedores europeizados que seriam mais civilizados por torcerem sentados e não se mexerem muito nas arquibancadas, além, é claro, de comprarem produtos oficiais da sua “empresa do coração”. Nesse mundo tão comportado e organizado, o tradicional modo de torcer tornou-se obsoleto. Nele, a paixão do torcedor é quantificada pelo poder de consumo daquele que a proclama.

Esses sentimentos contraditórios e melancólicos me fizeram recordar que há tempos não converso sobre a seleção com meu pai. Fico triste, principalmente por ser seu aniversário, dia de comemoração.

Sinto, porém, que nosso tempo já tenha realmente passado, e que hoje não sejamos mais do que dinossauros à espera da extinção. Lá se foi o tempo da bola, levando consigo os belos tempos de outrora. Mesmo assim, feliz aniversário, pai.


foto: joão sassi


domingo, 20 de janeiro de 2013

Seis da Manhã - 30 anos sem alegria

Garrincha em pleno êxtase 

Lá fora estava ainda escuro, mas a luz não tardaria a aparecer. Deitado em meu colchonete, escutei a empregada trabalhando na cozinha.

Eram barulhinhos de talheres, xícaras de porcelana e de gordura chiando na frigideira. O dia estava quase nascido e um cheiro de manhã logo se instalaria pela casa. Cuscuz e inhame na manteiga, mingau de tapioca, café com leite e pão na chapa com ovos mexidos.

Eu adorava acordar cedo, principalmente porque estava de férias da escola, veraneando em Salvador com minha família. Tinha passado de ano com certa facilidade. Fazer contas de multiplicação era mais fácil que de divisão, mas o que eu adorava mesmo era fazer “composição”. Agora, porém, na 3ª Série, imaginava que as coisas ficassem mais complicadas.

Em silêncio, alcancei a porta do quarto e, já na sala, olhei para um relojão-cuco barulhento no exato momento em que o passarinho saiu para dar a notícia; seis da manhã. Pelos cantos, em leitos improvisados, espalhados por ali e pelo resto da casa, havia uma pessoa deitada. A morada estava cheia de gente, mas ninguém despertou. Foram seis cucos no vazio.

Entrei na cozinha e vi Hilda, a responsável pelo trabalho pesado da casa. Nascida no interior, ela costumava acordar antes das galinhas. Por mais dura que fosse a labuta, tinha sempre uma expressão de genuína cumplicidade para ofertar. Poucas palavras; sorriso simples. Criada ao pé do fogão, comida era o que ela sabia fazer de melhor na vida: cozinhava como já não se cozinha mais. Seu contato com a realidade era furtivo e dava-se, mormente, à hora em que se recolhia, ao pé do rádio, por onde recebia as notícias da vida. Era uma Macabéia sem par, donzela no mundo até seu último dia.

   _ “Já acordado, minino? Molhou o colchão?”, disse, mostrando os dentes separados, enquanto espremia a laranja fresca, à mão. Não tinha espremedor melhor que aquela mão. Dela, além de suco, saía carinho.

Abri a porta de casa a tempo de ver o sol surgir, dourando as dunas da Lagoa do Abaeté. E logo estava atravessando a rua que ficava a poucos passos da areia. Mingote de criança branca, me aproximei daquela água escura e me sentei. A areia estava fresquinha e era fina como açúcar de confeiteiro. Morria de vontade de pular n’água, mas meu pai dizia que dava doença. Então, eu só molhava os pés.

Procurei com os olhos pelas lavadeiras, sempre conversadeiras ao longo do dia e das margens da lagoa, mas não as encontrei. Nem elas, nem aquele bando de crianças que sempre as acompanhavam. Também não vi nenhum negão de cócoras admirando a imensidão. Meu pai dizia que eles faziam isso – ficar ali, de prontidão – porque tinham sempre um bagulhinho à mão. Eu não sabia o que era, mas devia ser bom, já que dia e noite, tinha sempre um deles vislumbrando a superfície plácida como se estivesse em profunda reflexão.

Não se escutava nada, nenhum ruído, além do cantar de alguns passarinhos escondidos pela vegetação. O sol já começava a subir, mas as águas do Abaeté permaneciam intocadas, como se o dia não houvesse ainda começado. Nem sinal de gente ou coisa alguma. Tudo estava parado, em suspenso, e o único movimento perceptível era do meu indicador, desafiando a areia molhada que fica no ínterim entre o branco das dunas e o coca-cola das águas.

Desenhei no chão um gol, e em seguida uma bola entrando no ângulo. Não tive tempo de desenhar quem a chutou. Nesse instante, alguém tocou meu ombro: -“Hilda disse que você saiu sem tomar café... Vamos lá?”- disse ele, meu pai, erguendo-me pelos sovacos e me colocando sobre seu cangote.

Seguimos em silêncio pela areia, à beira da lagoa, até alcançarmos o cume de uma ladeira que dava na rua de nossa casa. Passando por uma barraquinha de palha que vendia coco aos turistas, ouvia-se pelo radinho de pilha um locutor que alardeava, emocionado, a notícia do dia: - “Acaba de falecer, no Rio de Janeiro, Manuel Francisco dos Santos - mais conhecido como Mané Garrincha –, craque do Botafogo e da Seleção Brasileira! Chora o Brasil inteiro a morte de seu maior ponteiro!”.

Senti que meu pai tomou um baque. Com os olhos marejados, abriu a boca, mas não tinha o que me dizer. Eu sabia que alguma coisa grave havia acontecido. Ele então me olhou e disse: -“Garrincha partiu...”.

Atravessamos a rua em silêncio. De fato, Salvador ainda não acordara. Nem os coqueiros de Itapoã se mexiam. Entrei em casa e percebi que todos ainda dormiam. Na cozinha, Hilda ainda espremia laranjas. E o cuco ainda estava lá, inerte, parado no ar, sem vontade de voltar; marcava as mesmas seis horas da manhã.

Só os passarinhos puderam ser escutados naquele dia. Era 20 de janeiro de 1983 e, desde então, nunca mais se ouviu tantas gargalhadas e risadas pelos estádios. O Brasil perdeu seu ídolo mais brasileiro, e o futebol, sua maior alegria.

Em homenagem à memória de Garrincha e Hilda Carolina

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O Caso Lionel Messi: quem ama o feio, bonito lhe parece.


Fio Maravilha: - "Beleza não se põe à mesa, valeu, chefia?".

Vou abrir o jogo: eu não gosto do estilo do Messi.

Se atento for, o nobre aficionado há de perceber que é apenas uma questão de gosto, e nada mais. Não contesto sua técnica, tampouco sua genialidade, mas viro a cara para seu futebol. Para se ter uma idéia, a última partida do Barça a que assisti integralmente foi a constrangedora tarracada em cima do Peixe; antes disso, só com Ronaldinho Gaúcho em campo eu tinha saco.

Para mim, não está em pauta a (inigualável) eficiência do argentino, mas o que eu quero do jogo. Podem me tachar de reaça e dizer que não acompanhei a evolução do esporte, mas que o futebol dele se parece com o futebol de vídeo-game, isso é inegável. Há apuro no desenlace das jogadas, e até improviso, mas quase nenhuma espontaneidade. O passe é teso; o lançamento é teso; o chute a gol é teso. A perna parece ter uma amplitude mínima, movimentando-se por uma diminuta órbita, ainda que imprevisível e letal. Até a comemoração de Messi é tesa. Será que tem a ver com sua apática personalidade?

Fora de campo, Messi é comparável a Pelé; são dois sujeitos sem sal nenhum. Maradona, nesse quesito, passeia, deleitando-nos ao manifestar sua alma livre, mesmo tendo aprisionado o pensamento ao pó. O refúgio que El 10 buscou no delírio químico tem raízes na consciência do mundo hipócrita e perverso em que vive, ao contrário dos outros dois, que parecem conviver em plena harmonia com o status quo e com o stablishment. Até que ponto isso se reflete em campo, não sei (há que se inventar uma escala que meça a subjetividade), mas o fato é que a rebeldia do futebol de Maradona é visivelmente mais humana, e indiscutivelmente mais bela.

Maradona se transformou em revolucionário, Pelé em fantoche e Messi num especialista. Ele é bom no que faz e pronto. É fruto do tecnicismo da contemporaneidade. É produto da mentalidade segundo a qual a arte se torna desnecessária, quase acidental. Não vejo espetáculo nos recordes impressionantes do craque, mas apenas barreiras sendo transpostas, burocraticamente, sem tesão ou prazer. Messi faz chover em campo, mas fico algo frustrado quando o vejo jogar, pois se tem a impressão de que seu arco-íris nunca se completa. Não há encanto em sua magia.

É tudo muito preciso, tudo muito perfeito – o rápido deslocamento, o pique ligeiro, o leve toque na bola, o lençolzinho no goleiro – mas a perna permanece ali, imperceptível, como um ferrão que apenas executa o inimigo e se recolhe, pronto para o próximo bote. Tem forma humana, embora não aja como tal; La Pulga que me desculpe, mas beleza é fundamental.

foto: joão sassi