Ver Clarence Seedorf deixar o gramado com o juiz levantando o
cartão vermelho foi de doer.
Pior que isso, só mesmo atestar o reacionarismo de tantos
jornalistas que aplaudiram a expulsão do craque. Julgam “não haver espaço para
o meio-termo, havendo que se respeitar a autoridade do juiz”. Involuntariamente,
deixam no ar a triste percepção de que preferem o autoritarismo ao bom senso.
Agem como capatazes, insensíveis bedéis que buscam na rigidez
das regras um ombro seguro que lhes respalde e ampare a existência, tal e qual
o policial que, para ocultar sua covardia e insegurança diante da vida, investe
seu tempo e pensamento na repressão a seu semelhante.
Os árbitros são mediadores, e não partes interessadas;
deveriam, portanto, interferir com poucas palavras e sensatez; à surdina. Em
campo, no entanto, só vislumbram adquirir respeito mediante uma atitude
policialesca e autoritária. Quem pelejou com a bola nos pés, vida afora, sabe como
é difícil o diálogo entre juiz e jogadores. Puderam aprender que os homens de preto utilizam o cartão como instrumento
de coação, e não como punitivo. Teimam em “disciplinar” o atleta por meio da
ameaça (“Olha que eu te ponho pra fora! Cala a boca!”), quando o correto seria
a mera aplicação da regra.
No caso do camisa 10 botafoguense, um simples acréscimo de
tempo bastaria para compensar a suposta cera do holandês, um exemplo de conduta
e caráter dentro e fora das 4 linhas – duvido muito que o Madureira tenha se
sentido mais satisfeito com sua expulsão do que com um tempo maior para tentar
empatar o certame. O mundo não cairia se o apitador tivesse segurança no que
faz e apenas punisse o infrator com aquilo que este tentara “roubar”, prolongando
o tempo de jogo. Mas Vossa Eminência preferiu mostrar que tinha bagos; “quem
manda nessa porra sou eu!”, espevitou. Conseguiu todas as manchetes no dia seguinte
e deixou o jogador-modelo fora da próxima partida deste já bastante minguado
carioqueta, punindo, por tabela, o torcedor - parabéns, Fritz!
Seedorf representa o que há de melhor dentro da parca
intelectualidade futebolística nacional. Além de dar moral pro combalido Fogão
e de levantar a auto-estima do traumatizado torcedor alvinegro, o simpaticíssimo
holandês nascido no Suriname é excelente cidadão e distribui noções de ética e
elegância por onde quer que passe. É do tipo que seria aceito em qualquer casa
real, para deleite da fidalguia e das altezas presentes. O sangue de Seedorf é
mais azul que o da Rainha da Inglaterra e de todos os seus parentes.
Ele é filho da escravidão secular que tarda em imperar na
América Latina, mas como um Darcy Ribeiro dos relvados, tomou consciência de
sua própria condição e se fez ouvir por meio de suas nobres potencialidades,
subvertendo a lógica do colonizado para dar aula aos imperialistas de plantão.
E, além de tudo, o negão canta bem pra cacete e tem bom gosto na melodia.
Como é, então, que Mister Fritz nos arma uma presepada fulêra
dessas, inventando de resgatar a autoridade senhorial ao castigar este exemplo
de atleta que tanto nos orgulha hospedar, salpicando-lhe vilanias à moral e
tingindo com a nódoa de uma vexatória branquitude colonialista o seu lombo de
ébano surinamês? Covardia é ridicularizar o professor na frente de seus alunos,
só porque senta o rabo na cadeira de diretor.
Às favas com a irracionalidade e com a dureza do espírito
arbitral brasileiro!
foto: joão sassi
Olivença - BA