quarta-feira, 27 de março de 2013

Seedorf no Vermelho


Acima, flagrante do negão batendo um baba em terras baianas, logo ao desembarcar.


Ver Clarence Seedorf deixar o gramado com o juiz levantando o cartão vermelho foi de doer.

Pior que isso, só mesmo atestar o reacionarismo de tantos jornalistas que aplaudiram a expulsão do craque. Julgam “não haver espaço para o meio-termo, havendo que se respeitar a autoridade do juiz”. Involuntariamente, deixam no ar a triste percepção de que preferem o autoritarismo ao bom senso.

Agem como capatazes, insensíveis bedéis que buscam na rigidez das regras um ombro seguro que lhes respalde e ampare a existência, tal e qual o policial que, para ocultar sua covardia e insegurança diante da vida, investe seu tempo e pensamento na repressão a seu semelhante.

Os árbitros são mediadores, e não partes interessadas; deveriam, portanto, interferir com poucas palavras e sensatez; à surdina. Em campo, no entanto, só vislumbram adquirir respeito mediante uma atitude policialesca e autoritária. Quem pelejou com a bola nos pés, vida afora, sabe como é difícil o diálogo entre juiz e jogadores. Puderam aprender que os homens de preto utilizam o cartão como instrumento de coação, e não como punitivo. Teimam em “disciplinar” o atleta por meio da ameaça (“Olha que eu te ponho pra fora! Cala a boca!”), quando o correto seria a mera aplicação da regra.

No caso do camisa 10 botafoguense, um simples acréscimo de tempo bastaria para compensar a suposta cera do holandês, um exemplo de conduta e caráter dentro e fora das 4 linhas – duvido muito que o Madureira tenha se sentido mais satisfeito com sua expulsão do que com um tempo maior para tentar empatar o certame. O mundo não cairia se o apitador tivesse segurança no que faz e apenas punisse o infrator com aquilo que este tentara “roubar”, prolongando o tempo de jogo. Mas Vossa Eminência preferiu mostrar que tinha bagos; “quem manda nessa porra sou eu!”, espevitou. Conseguiu todas as manchetes no dia seguinte e deixou o jogador-modelo fora da próxima partida deste já bastante minguado carioqueta, punindo, por tabela, o torcedor - parabéns, Fritz!

Seedorf representa o que há de melhor dentro da parca intelectualidade futebolística nacional. Além de dar moral pro combalido Fogão e de levantar a auto-estima do traumatizado torcedor alvinegro, o simpaticíssimo holandês nascido no Suriname é excelente cidadão e distribui noções de ética e elegância por onde quer que passe. É do tipo que seria aceito em qualquer casa real, para deleite da fidalguia e das altezas presentes. O sangue de Seedorf é mais azul que o da Rainha da Inglaterra e de todos os seus parentes.

Ele é filho da escravidão secular que tarda em imperar na América Latina, mas como um Darcy Ribeiro dos relvados, tomou consciência de sua própria condição e se fez ouvir por meio de suas nobres potencialidades, subvertendo a lógica do colonizado para dar aula aos imperialistas de plantão. E, além de tudo, o negão canta bem pra cacete e tem bom gosto na melodia.

Como é, então, que Mister Fritz nos arma uma presepada fulêra dessas, inventando de resgatar a autoridade senhorial ao castigar este exemplo de atleta que tanto nos orgulha hospedar, salpicando-lhe vilanias à moral e tingindo com a nódoa de uma vexatória branquitude colonialista o seu lombo de ébano surinamês? Covardia é ridicularizar o professor na frente de seus alunos, só porque senta o rabo na cadeira de diretor.

Às favas com a irracionalidade e com a dureza do espírito arbitral brasileiro!


foto: joão sassi
Olivença - BA