Emissoras de rádio e TV retransmitem a carta do Borogodó. |
Caro Ministro Aldo Rebelo,
Desculpe incomodá-lo, pois sei que Vossa Excelência deve estar
ocupado sobremaneira com as quadrilhas responsáveis pela organização das festas
juninas vindouras. Quisera eu estar falando do São João, mas é sobre Copa do
Mundo, mesmo. Sabedor do seu contagiante nacionalismo, venho tratar de um
assunto o qual preciso de sua avaliação, na esperança de, quem sabe, ser
convencido por vossa sapiência a reconsiderar minha decisão, mas o fato é que estou
pensando seriamente em migrar para a Alemanha.
Perdoe a falta de ufanismo, senhor ministro, mas de tão
desiludido com os cartolas daqui, e de tão empolgado com a evolução do futebol
alemão, cheguei a escrever uma carta, propondo uma contratação (a minha), ao
ex-craque e atual embaixador do Bayern, Paul Breitner. Acho, no entanto, que
ele ainda não teve tempo de ler a correspondência sul-americana... (Alô, Paul,
responde aí, meu!). De todo modo, espero que o senhor encontre um tempinho para
ler esta cartinha, já que sequer lhe peço emprego.
E se tomei essa drástica decisão, Dr. Aldo, é porque estou
cansado de ser achincalhado por notícias vindas d’além mar, dando conta do
respeito que as autoridades alemãs têm pelo futebol do país. Sem falar do
respeito que os cartolas de lá têm pelos clubes que gerenciam, e também pelos
seus torcedores! Estou farto da eficiência dos projetos por eles arquitetados, e
olha; estou “por aqui” com a maior média nacional de público, no mundo, presente
aos estádios de futebol. Só a zorra do Borussia Dortmund põe 80 mil negos nas
arquibancadas, por jogo, com direito a salsicha e cerveja alemãs nos bares –
além das próprias alemãs, seu ministro!
Dia desses, em texto aqui publicado (Maracanã: chucrute com banana), eu já havia enchido a bola dos germânicos, ao tomá-los como
referência na arte da antropofagia ludopédica, conquanto soubessem assimilar
características importadas, mantendo a originalidade cultural local. Exemplo
disso ocorreu quando se acatou certas imposições da FIFA durante os jogos da Copa-2006,
revogando-as, posteriormente, por não serem de interesse do torcedor alemão. Êta, povo evoluído!
A FIFA obriga o torcedor a ficar sentado; o dirigente alemão,
não. Em muitos estádios, uma quantidade específica de cadeiras foi retirada
após o Mundial, respeitando os desígnios e as tradições das torcidas mais populares que
desejassem torcer “à moda antiga”. E mesmo durante o Mundial daquele ano, as
autoridades locais impuseram cerveja nacional nos estádios, contrariando os interesses
da empresa americana que patrocina a FIFA. Se os teutões podem fazer valer a
vontade deles, por que a gente não pode comer comida brasileira nos estádios?
Uma farofinha, um queijo de coalho, uma macaxeira na manteiga... Um tutuzinho,
um acarajezinho... Nada? Ninguém merece um cachorro-quente seco e sem gosto por
10 reais, né, ministro!
Enquanto isso, nas mesas-redondas das TVs brasileiras, o que mais se
escuta é apresentador e comentarista coxinhas se regozijando em dizer que “o
torcedor brasileiro vai ter de reaprender a torcer(!?) e se reeducar por conta das novas arenas...”.
Nossa, o pobre Darcy Ribeiro deve se revirar no túmulo com tanta subserviência
cultural! Esses jornalistas deveriam conhecer o povo das Alagoas, gente tipo o
senhor, a fim de desenvolver alguma auto-estima, não é verdade? Tem muito
vira-latas complexado na mídia brasileira! Sinto saudades do Nelson,
ministro... E do João, do Armando e de gente que dizia as verdades, sem redemoinhos
e cantilenas... Néééé, ministro?!
Na Bundesliga, a média de torcedores numa partida de
futebol supera os 45 mil. Já por aqui, o narrador global Luiz Roberto se
derreteu ao constatar o total de pagantes presentes à decisão do
Carioqueta-2014: “Agora, sim, um púbico digno de final!”, desabafou, satisfeito
com os 42 mil aficionados que assistiram ao “Clássico dos Milhões”. E olha que
Flamengo e Vasco jogaram num Maracanã padrão FIFA, ministro! Tava assim de cadeiras vazias, ministro!!!
Não seria o caso do senhor acionar a ABIN, para eles apurarem o que está
acontecendo? Isso só pode ser sabotagem internacional! Esses gringos são foda,
ministro!
O abnegado da Fiel que nesse Domingo quis curtir Curíntia e Figueira,
pela 5ª rodada do Brasileirão-2014, conseguindo escapar dos cambistas, desembolsou
ao menos 50 mangos pra ver o Timão se afogar no recém-inaugurado Itaquerão
inacabado. E não adianta vir com chorumelas e com aquele “papo de noiva” porque
a gente não é bobo, ministro; o bagulho tá em obras e ponto! Nesse evento, o
ingresso mais caro custou 400 pilas. Já na terra do chucrute, da panqueca de
batata e da salsicha branca, o ingresso mais barato sai a 45 reais para as partidas do Bayern, ou a 453, caso o felizardo queira assistir aos
17 jogos que o time fará como mandante, na multicolorida e
moderníssima arena construída para a Copa-2006. Como eles conseguem isso, senhor ministro?
O presidente do Bayern de Munique nos dá uma dica preciosa ao revelar que essa
acessibilidade sócio-econômica ocorre porque os dirigentes alemães não
enxergam os torcedores como vacas a serem ordenhadas; - “O futebol tem de ser
para todos!” – alardeia, deixando claro que não se deve impor ao torcedor uma
realidade específica, mas respeitar a realidade dele e suas diversas formas de
expressão. Por isso há espaço para todo tipo de espectador, e não somente para aquele
que pode pagar caro. Parece utopia, né, ministro?
Aqui, por outro lado, não só acatamos o conceito de
torcedor-vaca, pagando o quanto quiserem nos cobrar, como fazemos questão de
evidenciar essa condição apelando às nossas raízes e tradições escravocratas. Nas
circunjacências do Maracanã, por exemplo, são contumazes as cenas em que policiais-cavalariças,
munidos de cassetetes, distribuem bordoadas em incautos pais de família, a
título de organizar a fila... Quer coisa mais bovina do que essa? Falando em
gado, manda um abraço pro Renan, seu conterrâneo querido!
Por fim, recente pesquisa capitaneada pelo
Prof.Dr.Phd.etc&tal, Holger Preuss, da prestigiada Universidade Johannes
Gutemberg, afirma que, após grandes eventos, os estádios devem, necessariamente,
ser readaptados às realidades locais, levando-se em conta o fato de um torcedor
comum ser diferente do torcedor de Copa ou de Olimpíada – este, muito mais
abastado. A solução proposta: - “O Brasil adiante não deve copiar o padrão
FIFA, mas desenvolver os estádios de futebol para a socialização dos torcedores
brasileiros e do comportamento local.”
Confesso que, após sua atuação como parlamentar na proposta de mutilação do Código Florestal Brasileiro, perdi completamente a confiança no senhor, mas não tendo muito a quem recorrer, e apelando à sua qualidade de Ministro de Estado, pergunto: o senhor entendeu a
fórmula mágica alemã ou quer que eu desenhe?
No aguardo por vossas considerações acerca do meu futuro e do
futuro do torcedor brasileiro, despeço-me enviando as melhores recomendações à
família,
João Sassi – D.T. do
Borogodó Futebol Clube
foto: joão sassi
foto: joão sassi