sábado, 18 de outubro de 2014

Sheik no Mengão!

O povo sabe o que quer...

Você gostaria de ter no seu time um jogador que, além de curtir uma balada, é chamado por tudo quanto é torcedor de mercenário, chinelinho e filho da puta? Um sujeito que não pára em time nenhum, sempre saindo vazado, em rota de colisão com a diretoria, às vezes com parceiros de vestiário ou até mesmo com a própria torcida dos clubes por onde jogou; você contrataria?

Pois eu, mesmo sabendo que meus irmãos rubro-negros vão chiar e me xingar, digo ao povo que sim; que daria apoio total à contratação do intrépido Sheik – o Emerson, para o Mengo, Não apenas por se tratar de um jogador-torcedor que, ademais, tem estrela, é goleador, raçudo até doer, além de um puta colecionador de títulos, mas, principalmente, por representar o que há de mais autêntico no futebol brasileiro.

Sem medo de errar, Emerson é, de longe, nosso jogador menos hipócrita – e isso significa muito! Não porque simplesmente gravou a ferro quente no inconsciente coletivo nacional uma verdade que ecoará para sempre – “CBF, você é uma vergonha!” – mas, principalmente, por dar a entender a quem o acompanha que a mise-en-scène do cotidiano profissional seja apenas um pequeno detalhe em sua vida pessoal, cuja essência, malandra, porém sincera, segue intacta. A cumplicidade que ele impõe ao interlocutor, por exemplo, parece ser de uma inocência quase infantil, mas é apenas a velha malícia brasileira, tão em falta no atual cotidiano ludopédico.

Suas declarações, quando contrastadas às dos demais jogadores, nos dão a dimensão da falta de personalidade e de lucidez que impera por estas, agora, inférteis searas brasileiras. Sheik não chuta no vazio. Segue uma escola de gente que dizia o que pensava - como um Paulo Cesar Caju, um Afonsinho, um Sócrates, um Renato Gaúcho ou, mais recentemente, um Juninho Pernambucano. Uma linhagem que encontra no semi-aposentado craque Alex, do Coxa, um de seus últimos  remanescentes. O sérvio Petkovic era da mesma estirpe, mas, por ser gringo, criado no Leste Europeu e ter tido sólida educação socialista, não pode ser integralmente aceito nessa seleção genuinamente brasileira, embora siga sendo um dos mais belos paradigmas de inteligência e personalidade a ter se expressado pelos nossos micrrrrofones.

Com quase trinta anos nas costas, Emerson voltou ao Brasil sob considerável desconfiança por conta do tempo que passou no Japão e nas Arábias; era o famoso “quem?”. Como cartão de visita ao ressabiado torcedor, sagrou-se campeão brasileiro, por três times diferentes, consecutivamente, sempre marcando presença.

No Flamengo, foi ele quem segurou as pontas até Pet e o Impera assumirem o comando da galé rubro-negra, rumo ao Hexa, em 2009. No Flu, fez o gol do título no ano seguinte (e tantos outros mais), conquistando uma taça que os tricoletas não sentiam o prazer de levantar havia mais de um quarto de século – desde o tempo do Romerito, cumpádi! No Timão, após nova conquista do Brasileirão, enfrentou aquela que, na minha módica opinião, talvez seja a prova mais cascuda que um boleiro pode encarar: final de Liberta contra o Boca.

Para saber como ele se saiu, basta dar um pulinho nos arredores do La Bombonera e perguntar aos torcedores xeneises o que pensam do Sheik... O cara que apresentou aos portenhos a malandragem carioca e deu nó em pingo d’água, deixou de morder um dedo argentino enfiado em sua boca, irritando ao limite do possível quem sempre fora mestre em nos irritar. De lambuja, marcou dois gols na Final e deu ao Corinthians seu primeiro título continental. Aprovado com nota máxima.

Fora de campo, entrementes, sobressai-se tanto ou mais, criando situações revolucionárias num ambiente tão reacionário como o que domina e se perpetua dentro do futebol, em que boa parte dos envolvidos é machista, preconceituosa e até mesmo homofóbica. Emerson não é nada disso e publicou uma foto sua dando uma bitoca num amigo. O cara se garante. Mais que um jogador, é um indivíduo que usa sua ousadia para transformar a realidade que vê, e com a qual não concorda. Como reconhecimento ao seu gesto cidadão, no entanto, houve muita gente querendo proibi-lo de vestir a camisa do Corinthians, quando não, linchá-lo em praça pública.

Recentemente, logo após sua demissão, pelo Fogão, ele trouxe a público um vídeo em que aparecia à vontade, de calção de banho, dançando uma musiquinha palha e sorrindo sob o sol. Mas como o Botafogo, havia perdido uma partida na véspera das imagens virem à baila, nova onda de críticas conservadoras e preconceituosas foi despejada sobre o atleta, entre outras coisas, por suposto “desrespeito” e perobagem. Na realidade, o cara apenas estava sendo ele mesmo, curtindo o pacto de felicidade que estabeleceu com a própria existência – o que deixa muita gente raivosa.

Figuras como ele, com uma carreira de sucesso, auto-estima elevada e, sobretudo, pensamento crítico, causam calafrios nas estruturas mais retrógradas da sociedade, dentre as quais o futebol ocupa lugar de destaque. Conforme revelou, ao não ser convidado para o churrasco de aniversário promovido pelo presidente botafoguense, há festas às quais não vale a pena comparecer. Ele sabe perfeitamente que o meio está assim de gente “nada a ver”...


Defendo, portanto, sua volta à fragata rubro-negra, na qual teria tudo para formar uma parceria suburbana do mais alto quilate com o Luxa, metendo brasa nas caldeiras e agitando a regata flamenguista rumo à Liberta. Quem gosta de calmaria é marinheiro. Sheik no Mengão!


foto&arte: joão sassi