O povo sabe o que quer... |
Você gostaria de ter no seu time
um jogador que, além de curtir uma balada, é chamado por tudo quanto é torcedor
de mercenário, chinelinho e filho da puta? Um sujeito que não pára em time
nenhum, sempre saindo vazado, em rota de colisão com a diretoria, às vezes com
parceiros de vestiário ou até mesmo com a própria torcida dos clubes por onde
jogou; você contrataria?
Pois eu, mesmo sabendo que meus
irmãos rubro-negros vão chiar e me xingar, digo ao povo que sim; que daria
apoio total à contratação do intrépido Sheik – o Emerson, para o Mengo, Não
apenas por se tratar de um jogador-torcedor que, ademais, tem estrela, é
goleador, raçudo até doer, além de um puta colecionador de títulos, mas,
principalmente, por representar o que há de mais autêntico no futebol
brasileiro.
Sem medo de errar, Emerson é, de
longe, nosso jogador menos hipócrita – e isso significa muito! Não porque
simplesmente gravou a ferro quente no inconsciente coletivo nacional uma
verdade que ecoará para sempre – “CBF, você é uma vergonha!” – mas,
principalmente, por dar a entender a quem o acompanha que a mise-en-scène do cotidiano profissional seja
apenas um pequeno detalhe em sua vida pessoal, cuja essência, malandra, porém
sincera, segue intacta. A cumplicidade que ele impõe ao interlocutor, por
exemplo, parece ser de uma inocência quase infantil, mas é apenas a velha malícia
brasileira, tão em falta no atual cotidiano ludopédico.
Suas declarações, quando
contrastadas às dos demais jogadores, nos dão a dimensão da falta de
personalidade e de lucidez que impera por estas, agora, inférteis searas brasileiras.
Sheik não chuta no vazio. Segue uma escola de gente que dizia o que pensava -
como um Paulo Cesar Caju, um Afonsinho, um Sócrates, um Renato Gaúcho ou, mais
recentemente, um Juninho Pernambucano. Uma linhagem que encontra no
semi-aposentado craque Alex, do Coxa, um de seus últimos remanescentes. O sérvio Petkovic era da mesma
estirpe, mas, por ser gringo, criado no Leste Europeu e ter tido sólida
educação socialista, não pode ser integralmente aceito nessa seleção genuinamente
brasileira, embora siga sendo um dos mais belos paradigmas de inteligência e
personalidade a ter se expressado pelos nossos micrrrrofones.
Com quase trinta anos nas costas,
Emerson voltou ao Brasil sob considerável desconfiança por conta do tempo que
passou no Japão e nas Arábias; era o famoso “quem?”. Como cartão de visita ao ressabiado
torcedor, sagrou-se campeão brasileiro, por três times diferentes,
consecutivamente, sempre marcando presença.
No Flamengo, foi ele quem segurou
as pontas até Pet e o Impera assumirem o comando da galé rubro-negra, rumo ao
Hexa, em 2009. No Flu, fez o gol do título no ano seguinte (e tantos outros
mais), conquistando uma taça que os tricoletas não sentiam o prazer de levantar
havia mais de um quarto de século – desde o tempo do Romerito, cumpádi! No
Timão, após nova conquista do Brasileirão, enfrentou aquela que, na minha
módica opinião, talvez seja a prova mais cascuda que um boleiro pode encarar:
final de Liberta contra o Boca.
Para saber como ele se saiu,
basta dar um pulinho nos arredores do La Bombonera e perguntar aos torcedores
xeneises o que pensam do Sheik... O cara que apresentou aos portenhos a
malandragem carioca e deu nó em pingo d’água, deixou de morder um dedo argentino
enfiado em sua boca, irritando ao limite do possível quem sempre fora mestre em
nos irritar. De lambuja, marcou dois gols na Final e deu ao Corinthians seu
primeiro título continental. Aprovado com nota máxima.
Fora de campo, entrementes,
sobressai-se tanto ou mais, criando situações revolucionárias num ambiente tão
reacionário como o que domina e se perpetua dentro do futebol, em que boa parte
dos envolvidos é machista, preconceituosa e até mesmo homofóbica. Emerson não é
nada disso e publicou uma foto sua dando uma bitoca num amigo. O cara se
garante. Mais que um jogador, é um indivíduo que usa sua ousadia para
transformar a realidade que vê, e com a qual não concorda. Como reconhecimento
ao seu gesto cidadão, no entanto, houve muita gente querendo proibi-lo de
vestir a camisa do Corinthians, quando não, linchá-lo em praça pública.
Recentemente, logo após sua
demissão, pelo Fogão, ele trouxe a público um vídeo em que aparecia à vontade,
de calção de banho, dançando uma musiquinha palha e sorrindo sob o sol. Mas como
o Botafogo, havia perdido uma partida na véspera das imagens virem à baila, nova
onda de críticas conservadoras e preconceituosas foi despejada sobre o atleta, entre
outras coisas, por suposto “desrespeito” e perobagem. Na realidade, o cara
apenas estava sendo ele mesmo, curtindo o pacto de felicidade que estabeleceu
com a própria existência – o que deixa muita gente raivosa.
Figuras como ele, com uma
carreira de sucesso, auto-estima elevada e, sobretudo, pensamento crítico,
causam calafrios nas estruturas mais retrógradas da sociedade, dentre as quais o
futebol ocupa lugar de destaque. Conforme revelou, ao não ser convidado para o
churrasco de aniversário promovido pelo presidente botafoguense, há festas às
quais não vale a pena comparecer. Ele sabe perfeitamente que o meio está assim
de gente “nada a ver”...
Defendo, portanto, sua volta à
fragata rubro-negra, na qual teria tudo para formar uma parceria suburbana do
mais alto quilate com o Luxa, metendo brasa nas caldeiras e agitando a regata flamenguista
rumo à Liberta. Quem gosta de calmaria é marinheiro. Sheik no Mengão!
foto&arte: joão sassi