quarta-feira, 29 de maio de 2013

Monumental Mané Nacional

No novo Mané, o torcedor  é tratado na base do copinho plástico e sem direito a  pôr-do-sol.
    Vamos analisar como foi a real inauguração do Estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Longe de mim querer desmerecer a decisão do certame local, mas inauguração meia-boca não conta, sob risco de termos de meter no fiofó... Digo, nos anais da FIFA o gol de Toinho Britadeira - impedido e com a mão -, marcado na pelada dos operários (bem antes do tento anotado pelo Bocão, na final do Candangão 2013). E nem mesmo o Governador Agnelo, que arbitrava aquela ocasião, teve culhões para impedi-lo de fazer sua comemoração. E ainda teve e ouvir o grito que veio lá das arquibancadas ainda empoeiradas, de onde alguém fez ecoar pelo concreto armado: - Frouxo!

Frouxo mesmo, porque antes de dar início à prosa, faz-se necessária uma emblemática informação: consta que o estádio foi alugado por meros 4.500 reais para a realização da partida – o que o GDF prefere chamar de “taxa operacional”. Você não leu errado: um estádio que custou aos cofres públicos 1,5 bilhão foi “locado” a um espertalhão de ocasião por alguns trocados. E pensar que neguinho ainda se dá ao luxo de pegar fila para casar na Catedral ou na Igreja Dom Bosco... Que declassé! Vai no Mané que é baratinho, bobo!

Pois foi exatamente o que fez um astuto e idôneo (ainda que obscuro) empresário super antenado nos movimentos do mundo do futebol e também ligado a decrepitudes da CBF, como Mr. Teixeeeeeeeeira: -“Bola que rola não cria limo!” – eis o seu mantra. Baseado no andar da carruagem, pagou ao time da Vila a bagatela de 800 mil pilas e saiu de Brasília com uma renda de 7 milhões no porta-moedas – novo recorde nacional -, sem contar o faturamento dos bares! Para registrar que o negócio foi bem às claras, o Peixe sequer divulgou as credenciais do novo parceiro, e mesmo assim, a “Empresa Misteriosa” embolsou essa fábula graças ao dinheiro público e à presença maciça do próprio público. A julgar pela logística envolvida em aspectos primários como, por exemplo, a venda e a troca de ingressos, o lucro foi exorbitante.

No meu caso, dispensei quase seis horas da última sexta-feira para obter o que me pertencia a pesados custos. Percebe-se, desde já, que estádio de primeiro mundo não quer dizer serviço de primeiro mundo. Em outras palavras, estruturas de primeiro mundo podem muito bem servir à gananciosa mentalidade do terceiro mundo. Não há, por estas bandas, a cultura da ética e do comprometimento com a qualidade ofertada entre os acordos firmados. Fica tudo no discurso emplumado e só.

As autoridades, como de costume, passaram a semana inteira desfiando as besteiradas de sempre, repletas de informações inverossímeis e desconectadas da realidade que todos estão vendo. Após a imprensa divulgar eventuais falhas, o tal do secretário da farra, representante do governo local, foi capaz de negar o que 70 mil almas testemunharam: a explosão de um rojão sob as arquibancadas do estádio, ocorrida quase no fim da peleja: - “Recebi informações de que nenhuma bomba explodiu no interior da Arena!”, disse ele, com a maior cara-limpa! E disse mais: - “Se houve água fria [nos vestiários], vamos investigar!”. Como assim, se, além dos técnicos, até o árbitro mencionou isso na súmula; e o cara ainda lança a dúvida (se)? Assim é o mundo moderno, caro George Orwell...

Dando prosseguimento à conversa, boa parte dos arredores do complexo esportivo está mais para canteiro de obras que para estacionamento de Copa, principalmente a parte voltada para o autódromo Nelson Piquet e para o ginásio Nílson Nelson. Há muito barro, poeira, brita e sujeira espalhada por todos os lados, além de piche, entulhos, pedaços de concreto e sobras de obra; rola até parafusos atarraxados ao asfalto, prontos para uma topadinha dedal ao cair da noite! Adicione-se a isso a falta absoluta de placas informativas do lado de fora e uma interminável cerca de arame que isola o Mané e que não traz qualquer referência que oriente o torcedor – uma contradição numa capital edificada sobre pilotis (pilastras) que permitem o trânsito livre de seus cidadãos. O ingresso informa seu portão de entrada, o que só vale se você já passou pelo suplício da “fila única”, do lado de fora da cerca de arame – isso não está impresso em nenhum folheto ou parte do ingresso; nem mesmo as autoridades nos advertiram da tal fila externa. Resultado: foram mais de duas horas entre longos percursos em volta ao estádio, curtos passos na fila interminável e uma espera infinita, até, por fim, voltar a sorrir.

Porém, até esse sorriso voltar ao rosto de cada um, até o grito de “Mengô!” eclodir do peito de cada qual, quantas horas de impaciência e irritação não contaminou a todos? Quantos filhos pequenos, cansados pela espera, de empolgados não passaram a irritados e irritantes? A quem responsabilizar pela quebra dessa onda? Pela dissipação dessa energia mágica dos estádios. Como ousam nos submeter à contrariedade quando, em verdade, pagamos pela alegria e pela celebração? Quem leva a culpa pela ausência de cantos ou demonstrações de êxtase por parte da imensa torcida, a poucos minutos do início do jogo? Em vez disso, apenas lamentações e reclamações saídas de bocas semicerradas e amarguradas.

Somado ao tempo que levei para trocar o ingresso, eu já carregava oito horas de fila nas pernas, mesmo tendo gasto nababescos 160 mangos para estar ali. Éramos milhares de mártires demonstrando nossa fé ao suportarmos, passivamente, horas de provação sob o sol, não se incomodando ou se revoltando por pagar, no meu caso, vinte reais por hora de fila... O Capitalismo realmente é um troço muito lucrativo. Vale mencionar que ninguém informou aos torcedores que toda a ala norte do complexo estaria fechada pelas instalações do canteiro de obras, obrigando infelizes consumidores (yo, incluso) a perderem um tempo insano para contorná-las no intuito de alcançar a “Centopéia Maluca” - nome dado à fila quilométrica resultante da atuação incompetente e omissa da “Empresa Misteriosa”.

Uma vez dentro, o negócio é correr para não perder o começo do jogo; objetivo alcançado apenas por uma parte dos presentes. A visão é linda e o estádio demonstra certa necessidade de que reconheçamos sua colossal aparência, mas tudo fica meio forçado quando nos deparamos com uma construção ainda incompleta. Há sujeira característica de obra inacabada, muito “concreto cru”, sinuosidades, emendas e junções bem rústicas, além de poças d’água e certo ar de incompletude. No bar próximo à minha ala, amadorismo total, com filas à la ancient Maracanã, confusão, furação de fila e Brahma quente; razão pelo qual tive um piriri monumental durante a madrugada.

As instalações internas, falam, são mais espaçosas que a média no Velho Mundo. Ouvi dizer que lá a gringaiada se aperta e se espreme nas cadeiras, enquanto que aqui o espaço para os ombros seria excelente. No entanto, considerando a verticalidade das arquibancadas superiores, a espessura dos degraus de acesso é ridiculamente estreita! Qualquer correria inesperada e o que vai ter de flamenguista rolando arquibancada abaixo vai ser digno dos tempos em que não tinha bondinho no morro. Para não falar do espaço pros joelhos: um acinte! Minha mulher, na tentativa de alcançar seu assento com o périplo já iniciado, desequilibrou-se no trajeto e se viu na obrigação de se agarrar aos bigodes de um sujeito para não despencar lá de cima. Se os colegas não se levantarem para dar passagem, o risco de tombo é enorme – é aguardar para ver.

Outro aspecto que merece citação negativa e incrédula da minha parte é verificar a inépcia oficial para se fomentar a cultura nacional: durante toda a tarde, nem um único acorde tupiniquim foi escutado pelos auto-falantes, dentro ou fora do Mané, mas somente pop melody. Como o futebol passou do samba ao pop? Por que querem transmitir a sensação de que estamos nos Estados Unidos, e não no Brasil? Por que tão canhestra demonstração de subserviência, ignorância e servilismo cultural? A droga da Copa não vai ser realizada em solo pátrio? Não é a cultura brasileira que deveria servir de parâmetro, pelo menos naquilo que sabemos fazer bem (música)? Mesmo assim as colunas se curvam ante o poderio do dominador...

E olhem que de longe se escutava o espôrro, visto que a potência máxima das caixas de som foi testada com enorme sucesso, a despeito dos tímpanos de boa família. O nível é tal que não se pode conversar, que não na base do berro na lapa da orêia. Ou isso, ou nos contentar em curtir um hit do Phil Collins durante o intervalo. A presença brasileira se deu numa honrosa exceção feita ao anglicismo musical preponderante, quando, noutro momento retrô, o mago por trás dos botões fez soar pelo estádio o “Conga-la-conga”, da inesquecível (e ainda atual) Gretchen – considerando, é claro, que isso possa ser classificado como música nacional. No telão de última geração, casais flagrados em zoom se atracavam aos beijos em meio a corações virtuais (certeza que o operador era o mesmo sujeito que botou o Phil Collins). Era se reconhecer na tela e meter a língua na boca da gata ao lado; uma beleza! Na plateia, nada de bandeiras, batucadas ou demonstrações por demais abrasileiradas, a não ser, é claro, pela onipresença de cartolinas com o logo da TV e o indefectível “filma nóis”! Bandeira, chuva de papel higiênico, tambor e Charanga do Jaime que é bom, nécas! Viva a plateia europeia!

É meu dever dizer, então, que o roteiro promissor não foi seguido pelos jogadores, produzindo um espetáculo enfadonho. Lá fora, o céu se punha púrpuro, lilás e tudo mais, ainda que muito pouco se visse cá dos assentos, dada a insensibilidade dos projetistas. Um cuidado um pouco maior dos arquitetos quanto à cobertura, e teríamos uma beleza clássica digna de um Coliseu ou de um Parthenon. No campo de jogo, a grama ainda não estava bem afixada; era feio ver aquela areia subindo a cada bicuda, algo nada digno de um estádio de Copa. Ademais, nem mesmo a despedida sem timing do Neymar serviu para temperar o embate que foi um verdadeiro saquinho de pipoca. Um implacável 0x0 recaiu sobre os torcedores, emprestando ao céu da boca de todos os presentes aquele saborzinho mezzo amaro de cabone d’umbrella, obrigando à massa insatisfeita uma debandada para lá de desonrosa.

Dado o exposto, ratifico o proposto e afirmo que estreia meia-boca não vale. Não deu pro Britadeira, nem pro Bocão, nem pro Neymar; ficou para a próxima a tal da inauguração. Hão de nos convencer que estamos sendo respeitados e bem tratados.

Caminhando a esmo, em meio aos entulhos e à poeira, ao menos me consolo com o céu de Brasília, que continua dando espetáculo, e de graça.


foto de marcya reis

4 comentários:

  1. O camarada da foto acima, me fez lembrar Janis Lyn Joplin, versão masculina, edição 2013.

    A torcida do Mengão fez uma festa muito bonita na Arena Mané Garrincha. Parabéns!!

    Pelo relato acima, observo que o estádio está precisando de alguns reparos, acabamentos, limpeza e melhora no atendimento aos torcedores.

    Creio que quando da Copa do Mundo as coisas estarão nos seus devidos lugares, com a certeza que iremos conseguir realizar uma Copa do Mundo muito bonita.

    Obs.: Pelo valor do aluguel do estádio, entendo, que devemos transferir o nosso futebol, de final de semana, para o novo estádio. O que acha ?

    abs

    Vítor

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    1. O que me incomoda, Vítor, não é o fato do estádio ainda carecer desse ou daquele reparo, mas sim o fato de não termos a cultura de servir bem, no sentido de fazer bem feito; esta é a essência da minha crítica. Cheguei em casa cuspindo tijolo de tanta poeira que inalei pelo caminho...

      Abraço!

      Ps: a Janis manda muito!

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  2. Pensei em ir ao jogo para conhecer o estádio e ver Neimar em campo, mas o preço do ingresso me assustou, considerando que não pago meia. Me falaram que o espaço para pernas é exíguo para quem é mais alto, mas que, em compensação, a vista do campo é boa de qualquer ponto. Procede a informação?
    Não paguei R$160 na inteira para ver o baba de domingo , dispendi com gosto R$170 para ver o YES uma semana antes no Nilson Nelson. Os vovôs do progressivo continuam mandando muito! A música me emociona cada vez mais e o futebol profissional cada vez menos. C'est la vie!

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    1. Procede, sim, Márcio; a vista é excelente, mas o espaço é da mesma escola do cara que projetou o Teatro Nacional!... Tudo bem, a gente não chega a ficar de ladinho, como na Vila-Lobos, mas o espaço dos joelhos fica no limiar do mau-estar (para quem ultrapassa os 190 cm na régua).

      Quer dizer que rolou show do YES no Nilson Nelson, foi? Ah, é por isso que tava aquela barulheira uma noite dessas; agora tudo faz sentido... Falando sério, acho que não dá pra pagar um preço desses para ver um joguinho mequetrefe como o que vimos, ainda mais sem a vibração de torcedores familiarizados com o ambiente. Daqui pra frente, será cada vez mais comum esse clima "meio dissipado" dentro dos estádios.

      Abraço forte. E salvem o Bahia!

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