Roubado é mais gostoso? |
A pretensa decisão da diretoria
do Vasco da Gama de solicitar a anulação da partida final contra o Flamengo é
de um ridículo atroz que só não é maior por falta de espaço em São Januário. Seus dirigentes entendem que o gol rubro-negro
foi fruto de roubo, sendo, portanto, ilegítimo. Clamam por justiça! Querem a
cabeça do juiz, do goleiro e de quem mais estiver em conluio com tais
meliantes!
É inacreditável! Esse pessoal não
teve infância? Não sabe levar na boa-fé um fato mais que inerente ao esporte? O
erro está implícito à disputa desportiva, uma vez que os embates estão
submetidos ao julgamento potencialmente falho do ser humano. Ele não está previsto
em qualquer regra, mas como um tempero que cai acidentalmente na panela,
criando uma combinação espetacular, faz parte da cosmologia do esporte,
permeando todo seu processo evolutivo e demais desdobramentos.
Cansados de tomar na tarraqueta,
os diretores vascaínos insistem na exposição e na humilhação públicas do próprio time, incumbência
antes exercida pelos botafoguenses. Por querer voltar o tempo e refazer os
acontecimentos da vida, Mr. Bob Dinamite, quem muito admirei quando em atividade,
deveria ganhar o troféu "Síndrome de Superman", concedido ao cartola mais
original do metiê. Como diabos ninguém teve antes tão reluzente ideia? Será que
dá pra todo mundo entrar nessa fita aí, doido? É só ir lá com o adevogado,
pá-pum e pronto, desembaçou? Tudo zerado? Convoca-se uma nova Final, distribui-se
novos ingressos aos cambistas e tá tudo firmeza?... Mas, diz aí; tem
jurisprudença, mano?
- Poxa, Roberto, não tem! Passa outra hora, com outra roupa, meu filho,
porque quem sabe não sobra alguma numa próxima oportunidade, quando vocês poderão
fazer como o Flu e virar a mesa sempre que for conveniente?
O “delito
flamengo-arbitral-global” teria sido admitido e confessado pelo arqueiro
rubro-negro Felipe, baiano descarado, da mesma laia de Edílson e Vampeta, quando
ele fez troça sobre os eternos vice-campeões com o provocativo chavão “roubado
é mais gostoso”. Foi o suficiente para que o Gigante da Colina se retasse, apelando às tais providências jurídicas cabíveis mais descabidas à disposição.
Na mesma toada, nas redes sociais
pululam acusações ao caráter do goleiro flamenguista. Percebo tempos tão
hipócritas que uma clara provocação se torna uma prova da essência supostamente
desvirtuada do povo brasileiro. Ou não se percebe que, em sua provocação explícita, ele
enaltece o rival ao admitir, implicitamente, que ganhar do Vasco é tão
importante que faria qualquer coisa para isso? Ah, mas tenho certeza de que o probo leitor
não coaduna com gente dessa estirpe, pois sim? Senão, vejamos...
O brasileiro tem orgulho do sucesso
internacional da seleção brasileira. É das poucas coisas que suplanta nosso
atávico complexo de vira-latas. Ao
contrário da realidade social, no quesito futebol a nossa auto-imagem adquiriu
autoridade moral sambando com a bola nos pés, assobiando e chupando cana ao
mesmo tempo. Conquistamos cinco Copas do Mundo legítima e inquestionavelmente,
com direito a Copa nas Américas, nas Oropa e até no Oriente!
Se porventura, porém, uma das estrelas
bordadas na camisa canarinho, houvesse sido obtida, digamos, sob o tacão de uma
ditadura militar, com favorecimentos mil, além de uma tanto sub-reptícia como
elástica vitória sobre (des)determinado oponente, é certo que nos sentiríamos
um pouco desconfortáveis por conta do olhar de soslaio que o mundo inteiro
dispensaria a tal conquista (mais ou menos como a torcida do Sport se sente em
relação ao “título” de campeão brasileiro de 87). Pode até constar nos anais,
mas na cabeça da geral o papo é outro.
Apesar desta verve honesta e de
sermos todos tementes a Deus, o brasileiro também faz macumba e adora jogar no
bicho. São ações constitutivas da nossa cultura, como também o é a malandragem, tão
bem corroborada por Túlio Maravilha – o ex-imortal – com sua providencial
ajeitada no braço e conseguinte golaço sobre os hermanos, pelas semis da Copa
América-95. Não vi um único brasileiro, por mais Caxias e ilibado que fosse,
lamentar pelos jogadores argentinos estarem à beira de um ataque cardíaco,
gesticulando, desesperados, para que o juiz anulasse o gol. Naquele momento,
nosso jeitinho foi elogiado de Norte a Sul do país.
Será a prova cabal de nosso
macunaismo? Não creio. É certo que se fosse contra a Venezuela, nos sentiríamos
envergonhados por passar à final “na mão grande”. Sendo, porém, contra a
Argentina, ter sido como foi se revelou um motivo a mais de regozijo! E não
adianta falar que não foi porque foi!
Justiça, merecimento, mérito...
São palavras tão bonitas, não obstante tão deslocadas do mundo da bola... Em
2007, por exemplo, estive presente ao Maracanã quando o Botafogo foi garfado e
o Flamengo foi campeão. À ocasião, Dodô foi expulso por concluir a gol um
ataque mal anulado pela arbitragem, impedindo a vitória alvinegra nos
derradeiros minutos. Saí do estádio eufórico, mas aquela “injustiça” me
incomodou muito porque, de fato, o Botafogo era muito mais time e não merecia
perder. Deu até pena vê-los chorando na TV.
Agora, me pergunta se eu sinto o
mesmo em relação ao jogo de Domingo? Como disse o zagueiro Wallace, só lamento pelo
gol não ter saído aos 48!... Hahaha! Chupa, Vasco!