quarta-feira, 19 de abril de 2017

#TodosEuNãoSeiMasEuSouRodrigoCaio

Ói a cara de preocupação do Rodrigo...


Se um dia sonhei em jogar futebol, foi por causa do Zico, único ídolo que tive. Em campo, fora de série; na vida, íntegro e exemplar, um cara no qual as crianças poderiam (e deveriam) se espelhar. O sonho não se concretizou por opção (opção dos treinadores, frise-se), o que não diminuiu meu tesão pela bola, comprovado nas peladas e campeonatos amadores dos quais participei ao longo de 41 anos – contando as bicudas na barriga de mainha. Tornei-me um discípulo do Galinho, se não no talento, na índole, respeitando os colegas de time, e também os colegas do outro time.

Ainda molecote, juvenil do Brasília, puxava conversa com meus marcadores e fazia as mesmas piadas que fazia, fora de campo, com meus amigos. Não raro, ficava falando sozinho, mesmo que a bola não estivesse em jogo. Eles estranhavam, mas para mim, eram apenas adversários, e não marcianos ou inimigos; tão somente caras iguais a mim, ainda que com camisas e objetivos diametralmente opostos.

Já mais velho, jogando o campeonato brasileiro universitário pela Universidade de Brasília, fomos desclassificados numa partida disputadíssima. Ao silvo do derradeiro apito, senti um estranho bem-estar, resultado de um embate aguerrido e tenso, mas jogado na bola. Jogamos bem, mas eles jogaram melhor e nos ganharam. Cruzei então o extensíssimo gramado do Centro Olímpico da UnB (onde devem caber uns dois Maracanãs, no mínimo) e fiz questão de cumprimentar os vencedores. Apesar de nobre, o gesto não causou qualquer comoção ao elenco adversário – alguns chegaram mesmo a pensar que eu havia ido tirar satisfações. Junto aos meus, no entanto, o desconforto e a estranheza se fizeram presentes: - A gente se fode e você ainda vai dar moral pros caras!... – esbravejou alguém, de cabeça-quente. Eu namorava uma estudante de Educação Física, que também ralhou comigo quando voltávamos pra casa: - Você percebeu que só você foi cumprimentá-los?... – perguntou, deixando clara a sua opinião.

                Cá com minhas abotoaduras, penso que moral não seja algo inerente às vitórias, pura e simplesmente, mas também ao fato de se jogar bem e com respeito ao oponente, bem como quando aceitamos os desdobramentos da vida, buscando o melhor que cada situação tem a nos oferecer, mesmo na derrota.

Foi o que ocorreu com são-paulino Rodrigo Caio, ao buscar reparar um erro do juiz que causaria dano ao rival corintiano, Jô. O zagueiro tricolor não deixa de ter princípios e valores só porque quer comprar uma casa para a mãe – sonho de dez entre dez boleiros; não vira outra pessoa só porque entrou em campo. Ele sabe que não conseguiria dormir direito se fosse, involuntariamente, o artífice de uma injustiça contra o adversário. Rodrigo sabe que jogo se ganha na bola... Ou ao menos que assim deveria ser.


Ao impedir que Jô fosse suspenso, ele demonstrou o quão grandioso é seu caráter, e que o mundo-cão que ora o cerca não é suficientemente poderoso para abalar suas convicções e sua dignidade. Enquanto seu parceiro de zaga, Maicon, dispara que o melhor é ver a mãe alheia chorar, Rodrigo faz sua mãe orgulhosa, e pelas melhores razões que o esporte pode oferecer. Ganha o futebol brasileiro; perdem os brucutus e as aves de rapina de nossa enferma sociedade. 

imagem: cartacapital.com.br

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Maracanã - do Pó Viemos, ao Pó Voltaremos

Comunhão entre Céu, Terra e Povo - algo que não se constrói com dinheiro 

    Se acaso perguntado, o nostálgico leitor, por estrangeiros e etês, sobre a existência de um templo sagrado em solo brasileiro, o que lhos responderia?

    Penso que católicos olhariam para a cidade de Aparecida e sua nada franciscana Basílica de Nossa Senhora, no que muitos dos evangélicos apontariam para o universalmente cafona Templo de $alomão, enquanto que meus parcos leitores (todos ateus ou macumbeiros, espero) não pestanejariam em cravar o Maraca, vulgo Mário Filho – um templo que já não existe mais. Quanto aos incautos, inocentes e bobos ilustrados, citariam orgulhosamente o New Maracana Arena Odebrecht Cabral, etc. e tal.

    São seres que nasceram numa caverna chamada século XXI, ou nela se enfiaram, por mediocridade, e que carecem de referência sobre o ethos constitutivo do futebol brasileiro e de suas características culturais mais simbólicas. Babam pela influência gringa – em especial pela norte-americana, símbolo de ‘eficiência e espetáculo’ – e reverenciam o Super Bowl, como se toda lógica humana se resumisse cifrões, pirotecnia e ritmo pop. Por total falta de parâmetros, jamais saberão o quão extasiante era sair do túnel do antigo Maracanã para efetivamente sentir-se no interior de um templo sagrado, em dia de Fla-Flu. Não havia qualquer necessidade de selfies para dizer ao mundo, “olhem, estou aqui, estou aqui”, pelo simples ato de estar e ostentar, mas comunhão e rivalidade saudável entre os presentes, em total sinergia com o evento, e não com o telão.

   Aqueles que destruíram esse templo – mentes colonizadas, macaquinhos da modernidade – falam em negócios, lucros e outras merdas que o capitalismo impõe como metas sociais, em detrimento da tradição, do respeito e da empatia. O que importa é o que dá para tirar desse business; mesmo que em forma de propina; mesmo que ignorando pareceres enfáticos de autoridades patrimoniais; mesmo desonrando e enxovalhando o nome da própria família; mesmo colocando o Brasil de quatro para a FIFA enrabar – vale tudo.

    Foi, pois, nesse clima de suruba de valores imorais e materiais, além de muita sodomia forçada, que nasceu o New Maracana. Os arquitetos dessa bizarra maiêutica gozaram à larga e cruzaram oceanos para limpar a porra toda com serviette de table française, enquanto botavam pra éfe em cima do povo. Não há, aliás, regra mais universal e atemporal: o povo sempre se fode. Sem ele, o estádio perdeu sua alma, e com sua arquitetura interna em desacordo com história do templo destruído, perdeu a aura; virou arena. Perdeu a mítica. Passou a calar vozes, a censurar ideologias, a reprimir a alegria, as bandeiras e as percussões, rojões, emoções. Proibiu o carnaval que identificava nossas arquibancadas, e também o gramado, impedindo e penalizando o jogador que “ouse” comemorar um gol junto ao seu torcedor: - Se você for (pra galera), vai tomar amarelo! – alertou Réver a Guerrero, após El Depredador fazer vendaval na defesa para estufar as redes do Furacão, no embate da última quarta-feira.

    Do sofá, sou reportado sobre o jogo. De quando em nunca, a transmissão (que prima por efeitos especiais em detrimento do espetáculo real) permite ao telespectador uns poucos segundos de vislumbre da atmosfera da torcida rubro-negra. Encalacrados como bovinos em suas baias, pouco podem fazer, a não ser coreografia com as mãozinhas ou simpáticos mosaicos, sem o improviso e a espontaneidade que marcaram toda a trajetória do antigo colosso brasileiro. Na tela, a magnética aparece como um borrão digital, cheia de movimentos repetitivos e sem qualquer livre-arbítrio.


    Nosso templo se transformou numa igreja chata e ultrapassada, cujos valores, crenças e dogmas caminham em direção, sentido e sentimentos diametralmente opostos àquilo que querem seus fiéis seguidores. Do pó viemos, ao pó voltaremos.