Copa Libertadores da América – a "glória eterna" almejada por dez em cada dez equipes
sul-americanas. É a maior conquista regional que se pode alcançar. Há outras
copas por aí até mais importantes, seja pela qualidade dos participantes, seja
pelos cifrões envolvidos na contenda, tais como a Copa do Mundo da FIFA ou a
Copa dos Campeões da Europa (atual Champions League), mas nenhuma delas possui
o etos libertário que nosso torneio apresenta, como enseja a própria
nomenclatura: “Libertadores da América”!
Talvez, o caráter nebulosamente amador que
imperou até meados dos anos 90, recheado de doping, violência em campo e
pressão anti-desportiva extra-campo, tenha empregado uma carga extra de
heroísmo às conquistas da Liberta, cuja imagem mais emblemática, para mim, é a do
uruguaio Hugo de León, capitão gremista em 83, erguendo a taça, com sangue
escorrendo pelo rosto, como um boxer. A cena não deixa dúvidas quanto ao estoicismo
e à superação envolvidos na árdua caminhada até a vitória. O vencedor
simbolicamente extirpa o mal presente em nosso continente, reconquistando a América,
tal como fizeram os homenageados pelo torneio, que um dia se sublevaram da
condição de conquistados para derrotar seus opressores.
Hoje o Flamengo encarna a figura do cativo
rebelde. Cativo porque configurado por uma imensa Nação de torcedores - em sua
maioria pretos, pardos e desfavorecidos - ainda hoje exterminados pelos
conquistadores em batalhas cotidianas desiguais. Calhou do oponente, o River Plate (los millonarios), espelhar
imagem oposta; elitista e alva, como o uniforme A equipe
carioca é urubu, enquanto a portenha, gallina
(blanquita, por supuesto). E se o Boca é a argentina autóctone, travestida em
Don Diego, o River é um principado, com Enzo Francescoli representando aquela
parcela cisplatina que se julga européia, embora tenha nascido no ‘continente
errado’.
Passados alguns séculos, a América Latina
encontra-se sob considerável jugo imperialista, num anacronismo indesejável
para os povos daqui. A Região está em ebulição. Os conquistadores
contemporâneos, também brancos, loiros e autoritários, novamente tramam contra
a existência das populações que ostentem tonalidades de pele diferentes das
suas, e novamente apelam a um deus cristão e às armas para fazê-lo. O genocídio
é declarado em documentos oficiais que autorizam os agentes do Estado a matarem,
indiscriminadamente, como no tempo das caravelas.
Não há, pois, como dissociar a batalha
campal de Lima, logo mais, da realidade dessas pessoas que, no mesmo instante,
estarão pelas ruas da Bolívia, do Chile, do Equador, da Colômbia e, logo, do
Brasil, lutando e morrendo pela autonomia de suas respectivas nações. Não se
pode esquecer o porquê da taça levar este nome que, em última instância, é o
porquê da independência conquistada por vários países sul-americanos.
Que o Flamengo, hoje, se livre de alguns
tentáculos reacionários que por ora o adornam, e assuma sua condição de legítimo
representante do povo latino-americano, libertando-o do sofrimento que já dura
quase 40 anos! Que o Flamengo encarne Bolívar, Martín, Guevara, Bonifácio, como também Zapata, Sandino e Zumbi (!), e
tantos outros! Este Flamengo, imenso e multicultural, que desperta o interesse
do próprio ‘conquistador’ ao ser televisionado para vários países do Velho Continente que verão a
final da Liberta pela primeira vez em canal aberto; este Flamengo que deve tudo
o que tem às arquibancadas e às gerais do antigo Maracanã, aos desdentados; este Flamengo que alenta a tragédia diária promovendo festas nas favelas; é
este o Flamengo que queremos ver em campo. Que nossos jogadores tenham a
consciência da grandiosidade de sua missão, pois agora seremos nós a conquistar
as Américas e, depois, o mundo. Seu povo pede de novo...
imagem e edição: joão sassi
Sou Mengão, hoje, e um pouquinho a cada sempre! Sou Sul-americano na veia aberta dessa américa-latina que amo e é minha terra! Vai Galeano!!!... Arrasou Janjão do meu coração!!! Beijo!!!
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