sábado, 3 de agosto de 2013

Seu Boneco e a Liturgia Antropofágica do GOAL!

Já não era sem tempo; a FIFA precisava mesmo dar um jeito nesse pandemônio.
    
              
"O erro do intelectual consiste em acreditar que (...) possa ser um intelectual mesmo quando distinto do povo-nação, sem sentir as paixões elementares do povo (...)." - GRAMSCI

Após a patética e constrangedora publicação de um manual pelo qual a FIFA buscava civilizar a população nativa durante a Copa das Manifestações, orientando-a como “torcer” e “vibrar” adequadamente, o chorume de idéias geniais derramadas sobre os campos brasileiros se propõe agora a educar e a conter os ânimos dos atletas. Anseiam o controle absoluto sobre o comportamento de jogadores e torcedores dentro de um estádio; espaço paradoxalmente concebido para a prática de atividades que afloram as emoções dos presentes ao máximo.

É como se pudéssemos ler o caput do seguinte artigo: Sobre a feitura e conseqüente comemoração do “goal” em shoppings brasileiros. Artigo Único: Faça o goal e finja que não o fez; engula sua alegria a seco e retorne, de imediato, ao seu campo para que o árbitro dê seguimento ao jogo...

Seria esta a regra grafada no inconsciente coletivo de nossos capachos dirigentes? Do contrário, como justificar a cena grotesca de ver, nas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro, o pessoal que faz a segurança das novas “arenas” retirando jogadores do Flamengo e do Botafogo, à força (!), dos braços de sua própria torcida? Como tolerar a interferência doentia de uma lei, regra ou norma, estúpidas e frias, no âmago de uma comemoração de gol – a mais sagrada liturgia do povo brasileiro? Seria o caso perguntar se os nobres dignitários do esporte comem cocô? Talvez.

É líquido e certo que a nata da intelligentsia ludopédica tupiniquim - baba-ovo do estrangeiro que é - jamais ouviu falar do Manifesto Antropofágico, não ambicionando, portanto, a produção cultural ou a promoção de algo verdadeiramente original.  

Se essa “elite da bola” tivesse se instruído adequadamente e aprendido a depurar um pouco seu irrefreável pendor ao vira-latismo, curvando-se somente àquilo que de fato merecesse reverência (como o respeito ao torcedor, por exemplo), toda a bazófia escutada nos últimos tempos sobre a europeização dos estádios brasileiros poderia até começar a fazer algum sentido. Mas não faz. Para essa putada que rege as leis do esporte, não basta copiar; tem que piorar! Mesmos gastando bilhões do erário erguendo arenas para inglês ver, essa corja logrou fazer filas monstruosas para um público de parcos 13 mil pagantes, como ocorreu no jogo do Fluminense, no Maracanã. Isso com nêgo pagando 100, 200, 300 mangos ou mais!

Maracanã que, registre-se, cumpriu com louvor a missão de fortalecer a identidade nacional em plena concordância com os moldes antropofágicos: como bom brasileiro, morreu antes do tempo, coitado, mas fez em vida o que lhe foi possível para honrar o espírito da miscigenação tupiniquim, reunindo ao redor daquele campo sagrado um rico, denso, democrático e representativo caldo de cultura brasileira.

Tomamos o que era dos gringos e fizemos um produto legítimo, com requintes de beleza, autenticidade e criatividade jamais vistas ou sequer imaginadas por outras nações – pelo POVO, e não pelo MARKETING, transformamos um esporte em arte, e as arquibancadas em Carnaval. Se o futebol carrega hoje o nome do Brasil nas costas, parte desse legado se deve à torcida brasileira, essência da identidade nacional. E vem então, de lá, a pilantrada do Rolex e da champagnota dizer que vai punir quem desse povo se aproximar? Que vai punir os jogadores e botar “armários de terno” para apartar? É isso mesmo, Lombardi? O que esses caras comem de manhã, afinal, cabe novamente perguntar.

Pois eu quero é que proíbam, mesmo! Que punam, mesmo! Que arranquem os cabelos esses canalhas de gravata, seus patrocinadores de merda e demais parasitas da paixão popular, pois assim é que os caras vão fazer “errado”, mesmo! Vão tirar a camisa e chorar, como o doce menino Bernard, mesmo! Que o expulsem de campo! Que se perca a invencibilidade no Horto! Foda-se, pois além de já haver levado a taça da Liberta, o que ficará para a história é a imagem de um moleque feliz e em Paz com sua massa. Infelizes são o juiz e sua comissão arbitral, com sua inflexibilidade moral.

E vão continuar a escalar o alambrado, como o Gordo Ronaldo. E vão subir a escadinha e se jogar no mar de gente, como já fizeram Fred, Elias ou Neymar. Que se foda o cartão dado pelo senhor de preto que, podendo ser revolucionário simplesmente por ter bom-senso, prefere a covardia da autoridade intransigente.

Na verdade, estamos loucos pra essa tal “COPA FIFA” (que no meu tempo se chamava Copa do Mundo) chegar aqui no Brasil. Que venham todos para curtir o valor dessa gente bronzeada e participar das manifestações. Mas que não se espantem com nossos grosseiros modos antropofágicos ou com nossas idiossincrasias quanto às orientações e demais exigências do Império. Afinal, se a FIFA vive se jactando de não haver imposto Mundial ao Brasil, é certo que ninguém por aqui pediu quaisquer das imposições que vieram a reboque.  Que não nos julguem ou se espantem, portanto, se um Dante encarnar Macunaíma em plena final de Copa, arriar o calção, dar as costas à  tribuna de honra e, como Seu Boneco, ir pra galera! Afinal, isso aqui-iô-iô é um pouquinho de Brasil iá-iá...

“Contra a realidade social, vestida e opressora, a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciária do matriarcado de Pindorama” – OSWALD DE ANDRADE



foto: joão sassi





Post Scriptum:

Parágrafo Primeiro: não será permitido ao scorer tacar longe o uniforme e correr alucinadamente com mensagens de amor escritas ao torcedor;

Inciso Um; a referida traquinagem será punida com cartão amarelo e deboche do narrador (mesmo que seja gol de título feito aos 49’ do segundo-tempo da final da Libertadores, na Bombonera).

Alínea única: Caso seja a partida de despedida do anotador, recomenda-se a expulsão do meliante e a execração pública.

Parágrafo Segundo: será terminantemente vetado ao scorer escalar o alambrado para saudar a massa insana.

Inciso Um: tal ato de vandalismo incorrerá em multa e espancamento sumário dos atletas envolvidos pelos agentes-FIFA presentes, estejam estes fardados ou infiltrados, à paisana.

Parágrafo Terceiro: proibir-se-á o acesso do scorer e de seus asseclas às escadinhas dispostas nas laterais do campo ou atrás das metas, com vistas a pular nos braços da galera, em júbilo e glória.

Inciso Primeiro: tornado crime hediondo, tal infâmia será passível de capação e venda imediata do referido atleta e de seus comparsas ao futebol chinês. Sorrir pode, mas, necessariamente, à inglesa.

Alínea Última: Após o tento, recomenda-se fazer o sinal da cruz e apontar os dedos para Deus-Todo-Poderoso ou para a marca do patrocinador exposta no uniforme, bem como em outdoors espalhados ao redor do campo. Fazer coraçãozinho com as mãos também pode, à exceção do Richarlyson.