domingo, 16 de dezembro de 2012

Glória ao Todo-Poderoso Timão - The favela is here!

Torcedores corintianos celebram: time de primeira grandeza.


Ontem à noite a ansiedade era total e aqueles que, como eu, queriam secar o Corinthians na final do Mundial, teriam ainda de esperar algumas horas para tal. Era tentadora a ideia de se varar a noite enchendo a cara para assistir à partida na maior loucura. Por outro lado, não é nem meu time, pô... E vai que o Corinthians ganhe; ficar bêbado de graça não dá.

Ganhar a Liberta em cima do Boca já é mais do que suficiente para acabar com o complexo de time doméstico da gambazada, mas ainda levar o Interclubes em cima de time inglês já é demais. Bons tempos aqueles em que só o Mengo se gabava de haver vencido os inventores do jogo; agora, até os bambis já se deram bem em cima dos súditos da rainha.

Por mais que pareça, caro leitor, o problema não era somente de recalque de torcedor, mas sim o que esse atual Corinthians representa para o futebol brasileiro – problema sociológico, portanto. Direção truculenta, ainda que “profissional” – leia-se, bem-sucedida em termos de marketing. Torcida eufórica, algo beligerante demais para a manutenção dos bons costumes e do respeito mútuo entre os adversários. Assumir o discurso do confronto a qualquer custo, a qualquer hora, tira um pouco do brilho e da energia contagiante que vem das arquibancadas alvinegras. Além de muita sujeira de bastidores envolvendo dinheiro público.

Claro que estou me ocupando de justificar meu olho gordo, pois estava torcendo contra. Só de saber que o Andrés Sanchez ficaria feliz, eu ficava triste. Só de lembrar dos últimos contratos/concessões/benesses recebidos pelo Timão, ficava puto. E torcia contra, ainda mais. Apesar do Sócrates.

Em campo, o time de Parque São Jorge mostrava sua grandeza, peleando de igual para igual contra o milhardário scratch londrino. Além disso, a Fiel dava espetáculo nas arquibancadas, e isso deve ser reconhecido por todo amante do futebol. Se os europeus curtissem mesmo esse título e marcassem presença, “dividindo o estádio”, seria ainda mais lindo. O futebol precisa disso. O espetáculo está dentro de campo, mas nas arquibancadas o que deve imperar é o Carnaval. Não se está assistindo a uma opereta, como preza a FIFA.

Salvo as defesas de Cássio – O Intransponível, o que me convenceu de que o Corinthians poderia merecer a taça – apesar do título brasileiro roubado de 2005 - foi a letra mágica de Paulinho, esse fantástico menino que parece ser também um fantástico jogador. Momento de craque, reencarnação do Doutor; instante sublime. No que matou de letra, matou a marcação. Tabelou, armou e deixou Danilo chutar para ver Guerrero concluir triunfalmente a jogada. Quando vi o toque sutil de Paulinho, antevi o gol: - “Merece!” – afirmei. E assim o Timão foi campeão.

Se não o fosse, a festa seria dos torcedores que queriam ver os gambás passarem vexame. Ao invés disso, teremos de aceitar a alegria desses fanáticos que estão por aí, dizendo ao mundo o que é isso aqui: é um pouquinho mais que Brasil-iá-iá que canta e é feliz; isso aqui é Corinthians. The favela is here.

Então, em vez de curtir a dor-de-cotovelo e alimentar a inveja, valorizemos a vitória desses milhões de corintianos que, apesar de cada vez mais chatos e insuportáveis, trabalham, lutam e sofrem como o diabo. São loucos, coitados. E merecem nosso perdão: glória, pois, ao Todo-Poderoso Timão.

foto: joão sassi 







terça-feira, 27 de novembro de 2012

Pontos Escorridos

Receber a taça na festa da CBF, com direito a torcida fake; pode isso, Arnaldo?

Ouço dizer por aí que o atual sistema de disputa do campeonato brasileiro é o mesmo sistema em voga na Europa, que recompensa o time mais equilibrado, consistente e regular – não o eventualmente brilhante ou aquele por vezes espetacular, mas o mais regular. E escuto, acima de tudo, que é o sistema mais justo, os tais pontos corridos.  Reflitamos sobre o que se segue.


Já se imaginou, entusiasmado torcedor, curtindo um filminho em casa com sua mina, naquela agradável tarde de outono, no maior dengo, e receber um telefonema do seu amigo Kabessão, informando que seu time é campeão nacional, sendo que ele nem estava jogando?


Ou então você, eufórico jogador, minutos após o fim do jogo, depois de marcar dois gols e vencer a partida, ter de perguntar a um jornalista na beira do gramado se seu time já é campeão? Patético, não?


Pois de acordo com a moda vigente, essas e outras excrescências são apenas parte das novas regras do jogo. Um jogo indissociavelmente atrelado à cultura brasileira, mas que se distancia paulatinamente de suas próprias raízes.


No ano passado, após a vitória do Corinthians na penúltima rodada, o locutor Cléber Machado saiu-se com esta: “...E aqui, uma cena curiosa: jogadores e torcedores (corintianos) permanecem no campo e no estádio, aguardando o final do jogo do Vasco, no Rio, para ver se são campeões ainda hoje...”. Ainda hoje?! Não sei, não, amigos, mas essa coisa de um acontecimento aqui determinar os acontecimentos dacolá não me parecem bem resolvidas, ainda que pretensamente “justas”.


Diga aí o fidalgo torcedor que quando pequenino foi levado pelas mãos do pai a um estádio de futebol pela primeira vez na vida; prometeu-lhe então o velho, justiça ou emoção?


E nós, brasileiros, apaixonados pelo esporte, tido como adoradores e uma espécie de re-criadores futebol, o que queremos ao torcer pelo nosso time? Deitar serenamente a cabeça sobre o travesseiro, conformando-se com o resultado do prelo (“foi justo”) ou ir para o bar encher a cara e xingar o juiz de safado, ladrão e desgraçado porque não deu mais do que três minutos de acréscimo (“filadaputa!”)? Ganhar uma final ou ser campeão com quatro rodadas de antecedência? O que tem mais a ver com a essência daquilo que efetivamente nos constitui como brasileiros?


Não, amigo leitor, não se trata de mera divagação. Estou falando de cultura e me referindo àquilo que fazemos com o que foi feito da gente; que nos constitui e é, por nós, reciprocamente constituído. Estou falando do que está onde deveria estar no cosmos interior de cada um de nós. Algo que, em cada povo, em cada sociedade, adquire um sentido todo próprio; um simbolismo que nos identifica e representa aos olhos do outro, e aos nossos também.


A defesa da honra, por exemplo, é uma característica nobre do povo japonês e que o identifica mundo afora. Conosco, inversamente, é o jeitinho brasileiro que nos dá cara por aí. São, enfim, características simbólicas de dois povos distintos, frutos do meio em que habitam, da história que escreveram e da contemporaneidade.


Certa vez, fiquei pasmo ao ver um turista japonês comendo uma alga marinha colhida num deque, em Veneza. O cidadão fez que ia e eu pensei “ele não vai fazer isso”; ele fez: desceu umas escadinhas, ajeitou a câmera fotográfica de lado, agachou-se à beira d’água, encheu a mão com uma coisa verde e “gloc”, virou garganta adentro. Como devia estar banhada a óleo diesel, o japa fez uma cara horrível. Tirante a poluição do mar na área do cais, não haveria para ele qualquer razão para estranhamento. É tudo uma questão de diferença cultural.


Essas historinhas me vêm à mente à medida que tento compreender o porquê de se insistir tanto em aplicar este conceito – o de justiça - que, conquanto seja bem-vindo, não é o propósito da nossa investida. Há total coerência nos argumentos daqueles que dele se utilizam para defender o sistema de pontos corridos, isso não nego, mas como levá-los em conta se a ótica sob a qual discuto o futebol é completamente outra?


A disputa, nesse caso, não é buscar pelo que é mais justo, mas pelo que é mais adequado aos nossos anseios enquanto torcedor. Eu não consigo travar um diálogo abordando o assunto como se fôssemos parte de um júri, e não de uma torcida – a diferença é grande. Não o fosse, não haveria prêmio da crítica e prêmio do público, posto que este seja produto da emoção, enquanto que aquele adquire autoridade por advir da razão.


Um exemplo do mencionado distanciamento entre o futebol de hoje e nossas raízes culturais pode ser visto na padronização daquilo que a FIFA chama “fan” (torcedor). Não dá para uma empresa impor seu modo de assistir e torcer nos estádios simplesmente porque uma classe de babacas acha que só há civilidade no Velho Mundo. Desconhecem a riqueza das culturas periféricas que já se foram e se vão, ainda hoje, ao sabor do mercado global, compreendidas agora como parte da engrenagem de um sistema que só os reconhece na condição de consumidores. Somos a pilha da Matrix.


Quem, em sã consciência futebolística, poderia, por exemplo, imaginar a Copa de 78, na Argentina, sem aquelas verdadeiras tempestades de papel picado nas arquibancadas? Ou o Maracanã lotado, mas sem bandeiras, tambores, foguetes, fumaça e os papeis higiênicos em cascata, quando em seus tempos áureos? Ou sem a geral? O que querem os gringos, afinal? Que passemos a aplaudir as jogadas, sentadinhos, ao estilo dos europeus? E que façamos, uh, oh, ahhh, como se compuséssemos a platéia de um anfiteatro grego? Não é o caso. Não é esse o nosso papel.


Somos aquela gente mestiça, misturada e mal-vestida que habita os trópicos. Fazemos parte de uma Nação que se constituiu tropegamente, ao ritmo das investidas imperialistas e da falta de amor pátrio de nossos governantes, mas que mesmo assim enxerga a vida como um delírio a ser usufruído continuamente em forma de cores, músicas e contato físico. Precisamos das festas populares e de nossas tradições para ratificar tal condição. Por isso o Carnaval e o futebol nos são tão caros e representativos.


Os exemplos para reflexão contidos no início do texto são reais. O primeiro se deu em 2009, quando o torcedor do Barcelona, que só jogaria dali a dois dias, viu seu time se tornar campeão sem entrar em campo, por conta da derrota do Real Madrid, no sábado (leia a matéria). O outro caso se deu este ano, com o atacante Fred, do Fluminense, logo após a vitória sobre o Parmêra; o artilheiro come-quieto só gritou “é campeão!” após alguém da imprensa autorizá-lo: “Nenhum dos jogadores sabia que era campeão até os jornalistas confirmarem, Galvão!” – informou o eficiente repórter da Rede Globo, como se o fato fosse mais engraçado que ridículo. Isso para não falar do Corinthians, campeão em 2005 jogando fora de casa e perdendo pro Goiás – nada mais anticlímax. Levou a taça por conta da derrota do Inter, segundo colocado.


Enfim, acredito na beleza de uma decisão de campeonato com todos os perigos e percalços inerentes a ela, com toda a expectativa que se cria em torno a uma grande final. Mesmo com inferioridade de um dos oponentes, em piores condições na tabela ou no campo que o adversário, o que, em caso de vitória, contribui para expurgar o complexo de vira-latas que habita cada coração brasileiro. Eu acredito na presença de duas torcidas eufóricas, provocando e aguçando a rivalidade sadia que faz de todos nós irmãos de fé, fiéis de uma mesma religião chamada futebol.


Gosto da disputa que dá frio na barriga, do olhar nervoso para o relógio, do alívio pela bicuda do zagueiro, do grito contido pela cabeçada perigosa do artilheiro ou da redenção pela espetacular defesa do arqueiro. Gosto da tristeza momentânea que, entre cantos e cânticos, torna-se pranto. Que vira apreensão, gol, estrondo, vibração.


Quero ver meu time campeão dentro de campo, dando a volta olímpica, recebendo a taça e celebrando no estádio, com a torcida presente, em festa, carnavalescamente, conforme manda meu imaginário e em estrita concordância com aquilo que reza e preza a cultura do meu país. E sair dali em direção ao infinito, sabendo que o campeonato acabou, e que temos novos heróis e novos vilões, sem essa de “ainda há muita coisa em jogo”; acabou, acabou!


Nosso improviso e espontaneidade não comportam a frieza dos protocolos ou a empáfia dos justos. A cada ano, a cada final sem final, a cada ritual abortado, a cultura brasileira é, sem dúvida, a grande derrotada.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Alex - O Grande, e a Conquista de Istambul

Alex de Souza; honrando em campo as ricas tradições bizantinas.


A Turquia é um país que fica longe do Brasil. A maioria dos brasileiros nem deve saber que sua capital é Ancara, muito menos conhecida que Istambul, que por sua vez, um dia fora Bizâncio, noutro, Constantinopla que, de tão bem estrategicamente localizada, serviu de capital a nada menos do que quatro impérios (Romano, Bizantino, Latino e Otomano).  É uma espécie de corredor cultural da história da humanidade e uma das três capitais culturais da Europa.

Mas o brasileiro só conhece a Turquia por causa do futebol.

Primeiro porque ganhamos deles duas vezes numa única Copa; em 2002, quando levantamos o caneco do pentacampeonato. E segundo – e mais importante -, por conta de Alex, vulgo “Dorminhoco, Sonolento etc.”, craque que acaba de rescindir seu vínculo com o Fenerbahçe e que poderá, tal qual um Pet, um Seedorf, um Zé Roberto ou um Deco, desfilar sua harmonia futebolística por estas paragens em grande estilo, no ocaso da carreira.

Mais que apenas um mero sócio do “Injustiçados Futebol Clube” (em cujas fileiras destacam-se craques do porte de Rivaldo, Ademir Menezes, Adílio e outros), Alex talvez esteja se revelando um modelo de cidadão no qual os demais jogadores brasileiros poderiam e deveriam se espelhar. Um cidadão antenado no que se passa à sua volta, e que se mostra tão lúcido dentro de campo quanto fora dele; em suma, um antípoda da contemporaneidade ludopédica brasileira, ora ilustrada pela arrogância e pelo narcisismo.

Alex não é nada disso. Aliás, fora de campo, com seus óculos de intelectual e sua cara de gente comum, nos passa a imagem de quem não está nem um pouco preocupado em construir uma imagem, seja ela qual for. Alex é ponderado sempre que entrevistado, revelando contumaz sensatez em suas falas. E vai além, pois estuda e lê. De outro modo, não aprenderia a falar turco, como aprendeu. Não precisaria tê-lo feito, posto que não se falasse tal idioma em nenhum outro lugar do mundo... Mas ele fez. E durante oito anos, jogou bola pra caralho pelo Fener. Virou ídolo. Estátua em plena capital cultural do mundo. Coisa que só alguns imperadores e sultões de bizantinas eras conquistaram.

E mesmo eternizado, demonstrou humildade ao fazer reverência a Zico, seu maior ídolo, por quem foi comandado numa das melhores fases do time. É o tipo de declaração que revela como a fama ou o dinheiro falharam ao tentar corromper seu caráter.

Na última semana, ao se reunir com seu ex-técnico, Aykut Kocaman, o meia-atacante escutou que, por ser “grande e forte demais”, seria afastado da equipe. Foi a forma que seu desafeto encontrou para impedi-lo de suplantá-lo na condição de maior goleador de todos os tempos do Fenerbahçe.  Mesquinharia da mais pura categoria. Pequenez explícita.

Em resposta, a torcida fez do condomínio onde mora o craque, em Istambul, uma arquibancada flamejante cujo combustível foi uma bandeira com a estampa do presidente do clube. O povo turco deixava claro de que lado estava. Reconhecimento mais genuíno que o popular não há.

Porém, para azar deles e sorte nossa, em breve Alex deverá estar de volta ao Brasil, trazendo na bagagem mais cultura e sapiência que antes. Fará a alegria de palmeirenses e cruzeirenses, e também a minha, a do Tostão* e de todo aquele que se espelha no que há de bom na vida para seguir melhorando. Bem vindo de volta à casa, Alex.



* O genial cronista e ex-craque foi como uma alma penada, antes do Mundial da África, a clamar pela presença de Alex no Time da CBF

 arte: marcya reis




quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Patriota Idiota e o Time da CBF

Participantes da última geração a conquistar uma  Copa para a CBF.

                                                           

O sentimento é a coisa mais importante que um homem tem para dividir entre seus semelhantes. Somente o compartilhamento das emoções e sua fruição coletiva nos dão aquilo que muitos chamam “felicidade”.

Felicidade é aquilo que o bêbado sente quando pensa que todos estão juntos em sua embriagada e desinibida realidade. É aquilo que nos faz perder a vergonha que temos de dançar, rebolar ou gritar de prazer. É fruto da sensação de aceitação e pertencimento social.

Os motivos podem ser múltiplos, infinitos, mas a condição sine qua non para legitimá-los é a experiência comum: afinal, é impossível ser feliz sozinho...

Nós brasileiros, nos sentimos muito à vontade para compartilhar emoções. Somos um povo amoroso que toca, afaga e dá carinho. Este é o nosso padrão: criamos relações afetivas com nossa existência e nos apegamos a quem mal conhecemos.

Quis a história que este povo fosse guiado por uma paixão – o futebol – e coube a ele extrair desta paixão sua maior forma de expressão, a seleção: síntese cultural maior da nossa identidade nacional, cujas principais marcas são a espontaneidade e o improviso, além daquela velha mania de ter fé na vida - em última instância, a fé que temos no próprio ser humano.

Traços culturais estes que para muitos, revelavam nossa alegria, mas que para outros, evidenciavam o atraso de nosso povo. Nos anos 90, deu-se uma transição, e uma nova ordem econômica se instaurou na mente dessa gente descontente, segundo a qual era preciso tornar esse ritual festivo em que se transformara o futebol numa empresa eficiente, e esse povo descansado e relapso em pessoas sérias e produtivas; civilizadas... Enfim, era preciso lucrar!

No intento de se modernizar, a Confederação Brasileira de Futebol se aproveitou do passado glorioso e do prestígio conquistados pela seleção canarinho para se estabelecer como uma marca global. Em consequência inexorável dessa transição, conseguiu decuplicar suas receitas, embora tenha se tornado, aos olhos do torcedor, um anti-símbolo cultural ; algo que ninguém identifica como seu, e pelo qual não faz qualquer questão de demonstrar emoção ou afeição.

Que a dita cuja seja uma instituição privada, isso já era sabido desde que o brasileiro pôde assistir, durante mais de duas décadas, ao desinibido enriquecimento de Ricardo Teixeira à frente do comando da bagaça; somente então, passou a desconfiar que a seleção não era tão assim, do Brasil, mas da CBF. E aí a coisa começou a miar, e o casamento a degringolar...

É como se, subitamente, descobríssemos que aquele casamento realizado sob os enlaces do amor tornara-se uma relação de escusos interesses...

Não é que o torcedor nativo tenha deixado de gostar de futebol – um grande amor não se acaba assim -, mas passou a ficar cada vez mais difícil convencê-lo de que os sentimentos  da CBF representam o Brasil que aprendemos a amar; principalmente quando se percebe  que o futebol praticado pelo time da CBF não faça graça ou nos dê qualquer alegria. Pior, faz a alegria dos vizinhos!

Chamam de moderno um sistema no qual uma empresa “empresta” os símbolos pátrios (hino, bandeira etc) colando-os num produto, composto por profissionais pagos por outrem, chamado “Brasil”; não é fabuloso? Ou não é o que faz a CBF, ao se promover às custas de nossa paixão e nacionalismo? Ou ao utilizar atletas que são pagos pelos clubes, mas coagidos a representar o “país” ostentando logomarcas de patrocinadores multinacionais mundo afora?

Após a partida contra a Argentina, Neymar reclamou do comportamento da torcida goiana que, a exemplo da torcida paulista, uma semana antes, passara a vaiar o time.  Pois devo dizer que ele vai continuar reclamando, porque as vaias não cessarão.

O espírito que envolvia os jogos – mesmos os meros amistosos – era arrebatador; envolvia a todos e mobilizava a Nação. A expectativa, a ansiedade e o frisson eram efetivamente coletivos. Havia clubismo; havia bairrismo; mas também havia orgulho pelo futebol jogado e, principalmente, identificação com a equipe canarinho.  O Brasil entrava em campo e calçava chuteiras.

Atualmente, o torcedor mal se lembra que tem jogo; que dirá uma convocação. Acabou o mel, Foi-se o doce. O encanto virou espanto.  

Ou a CBF revê seus planos de expansão comercial, redirecionando suas ações para o povo brasileiro e recolocando a verdadeira Seleção Brasileira em campo, ou só lhe restará marcar mais amistosos com a China para fazer caixa e satisfazer o ego de suas estrelas mimadas , sob aplausos constrangedores.

O torcedor está revoltado com essa mise-en-scène mercantilista. Queremos um time que desperte nosso amor; que ao menos saiba cantar o hino nacional; um time que nos cative e que nos una em torno de um bem comum. O que está claro é que esse aí já não tem legitimidade: a seleção não nos representa mais. Chega de bancar o patriota idiota!

fotos de joão sassi
palácio do planalto/2002

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Só se fala na Camisa Amarela da Seleção Brasileira!

Cabisbaixo torcedor brasileiro: cada vez mais escanteado.

                       
Não, eu não assisti aos 8x0 contra os chineses.  E não é que tenha me dado sono; eu dormi porque quis. Optei por esta saída honrosa logo após o segundo gol, com Neymar deslizando como uma libélula pela área, sem qualquer marcação; ali, estava claro que seria uma pelada sem qualquer qualificação que nunca poderia ser chamada de amistoso internacional. Um total desrespeito ao torcedor e aos fãs do esporte, em geral.

Obviamente, o título deste texto é enganoso; mero estratagema para cooptar leitores incautos. Afinal, todos estamos cientes do desencanto generalizado pela equipe canarinho. Mas, já que chegamos até aqui, é da Seleção que vou tratar.

Pois bem, a Seleção morreu. Não existe mais.

O que temos hoje em dia, dirigido pela Nike, achincalhado pelos árabes e explorado pela TV Globo, é o Time da CBF: a mais bem sucedida multinacional brasileira - chupa, Petrobrás! -, atuante em todos os continentes conhecidos e reconhecidamente a mais vitoriosa empresa no ramo de acúmulo capital de Copas do Mundo (notem que há um trocadilho sutil nesta última oração).

Bem sucedida porque produz milhões de dólares e beneficia a algumas poucas almas enlevadas (“Mr. Teixeeeeeira!”) por meio da privatização de um bem público, ainda que imaterial: o amor do povo brasileiro pela sua seleção de futebol.

Utilizam o hino nacional brasileiro, a bandeira verde-amarela e o sentimento de toda a Nação Brasil para vender, mundo afora, um produto plastificado como se fosse matéria-prima original, genuinamente tupiniquim. Aliás, esta é a única alternativa para o Time da CBF; explorar mercados externos em alta, como Qatar, China ou mesmo Gabão, porque por estas bandas a batata está assando legal.

Por inúmeras razões – e, verdadeiramente, não sei se cabe aqui enumerá-las – esse sentimento de que a Seleção representava a Nação está perdendo seu apelo e se transformando numa forçação de barra deslavada. O tal do “Brasil-sil-sil” já não ecoa em nosso coração como dantes ecoava; já não há reverberação. Mas simplesmente uma nostalgia, uma vontade de que as coisas engrenem, com o Brasil dando show, sambando com a bola no pé e mostrando como é que é. Mas não...

Desde 1989, quando o genro de João Havelange assumiu o comando da birosca, a conexão entre o torcedor brasileiro e a Seleção Brasileira foi se perdendo, perdendo, perdendo... E se perdeu a tal ponto que o agrupamento de atletas que representa a CBF nos gramados não mais merece o epíteto gentílico, posto que a sociedade brasileira demonstrasse crescentes dificuldades em se enxergar representada por uma instituição privada comercial – e, de fato, a Seleção, historicamente, sempre nos representara, e muito bem. Naqueles tempos de outrora, a pátria se calçava em chuteiras – sofria-se muito pelos jogadores! – mas e agora? Somos “nós” que estamos em campo?

Sentimo-nos representados pelo astro que chega ao estádio enaltecendo o próprio ego, ao divulgar músicas em sua homenagem por meio de modernas caixinhas sonoras, como fez Neymar, no último Dia da Independência? Como se sentem aqueles que viram Sócrates fazer de cada partida um ato cívico e político da maior importância, ao ter, agora, de abraçar uma geração tão hedonista e ególatra? Uma geração para a qual o slogan DEUS É FIEL tem muito mais legitimidade e relevância que a palavra DEMOCRACIA escrita na faixa da cabeça.

Não vou aborrecê-los com cifras de contratos, lucros, furtos ou desvios, mas é de conhecimento público que eles só se acumulam, desde então. Assim como nosso prestígio! Sim, ganhamos ... Quer dizer, a CBF ganhou duas Copas e outras tantas copetas, aumentando sobremaneira e ratificando o status vencedor de nossa confederação ante as demais adversárias. Um sucesso! (Só o México não reconhece nossa grandeza...)

Mas tudo isso foi obtido graças à depauperação da seleção enquanto símbolo cultural. Tal como o Maracanã, os craques de camisa dourada representavam um “ícone do esporte mais praticado no mundo, elemento de identidade cultural brasileira quase tão importante quanto a própria Língua Portuguesa e o samba.” *Disso, passaram à condição de pop star. Sequer pestanejaram, os rapazotes.

A omissão antropológica pode custar muito caro à nababesca Confederação Brasileira de Futebol, uma vez que é galopante o desinteresse nacional por esta tropa de soldadinhos obedientes que trajam feias e frágeis indumentárias que lhes trazem desprestígio e ridículo aos olhos da comunidade mundial.

A cena da camisa “padrão NIKE” se desfazendo em pleno ar, como se feita pelo mais inábil falsificador fosse, expõe uma metáfora trágica em relação ao orgulho que sentíamos em agitar uma bandeira brasileira em dias de jogo do Brasil: ele hoje não existe. Assim como a camisa, símbolo maior de uma seleção, nosso orgulho se desfaz cotidianamente, dentro e fora de campo, em vergonha e constrangimento.

 *A definição eu emprestei do jornalista Carlos Tautz, que hoje publicou “A Morte do Maracanã”.

foto de joão sassi
campão do varjão - d.f.





quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Alma Atarantada


Ele é uma criança; não entende nada.

Adriano, tal qual Ronaldinho Gaúcho, Robinho e Kaká – todos remanescentes do malfadado “quadrado mágico” de 2006 – deveriam estar curtindo o ápice da vida esportiva, com uma ou duas Copas na bagagem, prestígio mundial e muita grana no bolso.

De 2006 para cá, entretanto, não ganharam nada pela Seleção Brasileira, perderam prestígio e, se isso consola, levantaram um bom troco. Mas não vingaram.

Sobre Ronaldinho, já disse o que penso alguns textos abaixo (Ronaldo e as 32 Primaveras); Robinho virou performer; Kaká perdeu o traquejo de jogador, como um Mangalarga Marchador que desaprendeu a marchar; e Adriano voltou a ser criança. 

Pensem bem: só uma criança faz o que quer, à hora que quer e quando quer. O adendo é que Adriano é uma criança que não sabe o que quer, daquelas que choram sem saber por que.

Mas quem desacreditaria uma criança; um ser com tanto futuro e tantas possibilidades?...

Vem daí, desse sentimento maternal que a torcida do Flamengo tem pelo Imperador, sua única e derradeira oportunidade para entrar para a história. Sim, porque se o sentimento fosse paternal, esse moleque já teria tomado umas bifas e ido trabalhar no balcão do Mac Donald’s para largar de ser trouxa e folgado. O que ele quer, afinal: disputar o Carioca de 2013 pelo Madureira?

Ou será que o vislumbre do abismo, enfim, lhe abrirá os olhos? Será que o Impera se tocou que a corda já esticou para muito além do que podia? E, por Deus(!), será que ele não enxerga seu clube de coração lhe fazendo cortesia em praça pública, como é do feitio de todo tolo apaixonado, enquanto clubes de todo o mundo zombam de sua história e tradição? Será que ele não vê que tem muito nego, como o pobre Zinho, colocando o seu na reta por conta dele? Será? O que será que será? - (não resisti ao trocadilho...)

Para quem viu aquele gorducho desajeitado – motivo de galhofa do próprio torcedor rubro-negro até sua comemorada saída para a Itália, há 10 anos – se transformar no principal centro-avante do mundo, chegando mesmo a destronar o Fenômeno a partir de meados da década passada, vê-lo nessas condições de pura melancolia e desnorteio causa dor.

E não falo da dor que o torcedor sente por ver seu ídolo na sarjeta, mas da dor de alguém que enxerga naquele sujeito grande e gracioso um ser humano angustiado que necessita de muito mais que uma mera advertência profissional.

O tempo das desculpas já se foi, como escreveu José Ilan, após cobrir a entrevista coletiva na qual um constrangido Adriano dava explicações. Nem mesmo o jogador acredita mais em suas próprias palavras.


foto: joão sassi
local: jijoca -ce



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Zé Love e o Resgate da Dignidade Humana

Zé Love retorna a Gênova de cabeça erguida.

Não sei qual a origem do apelido que colocaram no Zé Eduardo, mas sei que até bem recentemente, eu não botava a menor fé no tal do Zé Love.


Considerava-o um Zé-ninguém cujo maior mérito fora estar no time certo, na hora certa, mesmo sendo um cara incerto. Lembro bem dele na reta final da Libertadores de 2011; fazia gracinhas e perdia gols o tempo todo. Foi campeão graças a Neymar.


Mas calhou de jogar numa época em que qualquer Zé vai jogar na Itália; e lá se foi o Zé Love tentar ser alguém na vida.


Ficou quase um ano fora da mídia, em grande parte por haver se contundido e passado muito tempo no estaleiro. Mas se recuperou da contusão e fez uma boa pré-temporada pelo modesto Genoa; suficientemente boa, aliás, a ponto de despertar a cobiça do Milan – carente de um bom atacante após a deserção de Zlatan Ibrahimović.


“Despropósito total!”-, pensei, pego de surpresa pela aparição em grande estilo do cabo Zé.


Mas isso não era tudo, pois logo na sequência, pintou uma surpresa ainda maior: Zé disse não à poderosa equipe rubro-negra de Milão, o que fez o caso ganhar as páginas esportivas.


Entre letras e opiniões, um jornalista que escreve sobre negócios do esporte e analisa o noticiário do ponto de vista econômico, do marketing e da gestão, resumiu o fato nos seguintes termos: “A dignidade, invariavelmente, atrapalha e muito num planejamento mais longo de carreira. Zé Love, infelizmente, que o diga” – foi sua deixa, numa análise segundo a qual o atleta deveria ter se curvado às determinações da Casa Grande, como se outro futuro bem-vindouro nunca mais se lhe fosse fazer presente no horizonte da carreira esportiva.


Esse olhar hermético e funcional – que certamente despertaria a ira de Nelson Rodrigues - despertou minha curiosidade sobre o caso, no que então fui me informar melhor, buscando a versão do próprio atleta.


   - “Não sou jogador de ficar esperando em hotel! Já ganhei Libertadores!”, bradava o Zé, lá da Itália, em referência à condição destand-by por dez dias imposta pela esquadra milanesa (que teria, assim, mais uma semana para contratar algum outro jogador estrangeiro, o que faria o desconhecido Zé Love ter de voltar ao também parcamente conhecido time do Genoa, com o rabinho entre as pernas). Enquanto não oficializasse o acordo por meio de um contrato, ficaria no quarto, esperando o telefone tocar com a autorização do Milan para ele poder, enfim, assinar e treinar. “Isso não é digno” – pensou. E não era mesmo.


Para quem eu, até ontem, considerava um parvo, vibrei com sua postura!


Numa época em que os homens se dividem entre bobos alegres e tristes críticos, otimistas deslumbrados com o tecnicismo contemporâneo e pessimistas que sonham com a volta de uma existência in natura, é sempre salutar ter razões para acreditar na transformação da realidade para algo bom, algo melhor, vislumbrando atitudes como a do Zé. Cena de cinema:


O dirigente do Milan liga pro quarto do jogador e ninguém atende. No celular tampouco. Liga novamente, e nada! Fica puto: “Quem este bostinha pensa que é?”, esbraveja, com o aparelho grudado ao ouvido, que chama... Sem resposta. - “Deve estar ocupado com alguma puta...Questi brasiliani di merda!”.


Dispara para o hotel. Quer pegar Zé no flagra! Passa furibundo pelolobby, sob o sorriso amarelo do rapaz que está na recepção. Espera impaciente que o elevador percorra 19 andares. Então irrompe corredor adentro.


Já com a mão na maçaneta dourada, hesita.


Toca a campainha. Nada. Uma, duas, três vezes. Bate na porta. Grita!: "D'zéé?...". Os demais hóspedes entreabrem as portas, espiando o corredor para ver o que há. Em meio ao burburinho, é chamado o gerente.


   - “Ma qui è D´zé, cazzo?”, pergunta alguém.  
   - Ma che D'zé Cazzo?! È Dzé d'Amore; Dzé d'Amore, cazzo! -, responde o milanista, irritadíssimo!


Enfim, a porta do quarto do Zé é aberta.


Mas enquanto o cartola encontra apenas um bilhete sobre a cama dizendo “vafanculo!”, o agora notável Zé Love volta a Genoa, onde é recebido sob silvos e aplausos no Estádio Luigi Ferraris, sendo aplaudido de pé pelos torcedores. “Foi um dos momentos mais emocionantes da minha carreira”, disse.


Vi o gesto de Zé como uma atitude libertária por não se curvar às determinações da parte mais poderosa envolvida na negociação. Aliás, deixou bem claro que não é mercadoria. Um gesto de rebeldia que reacende o desejo da mudança e alimenta a esperança de quem acredita na beleza dos propósitos do  bicho-Homem.


Ao se fazer digno, Zé Love contrariou a lógica econômica e assombrou os idiotas da objetividade, razão pela qual nos aproxima de um ideal comum e, portanto, mais humano; é um gesto que enaltece toda a raça.


Ainda que ele não faça gols ou que nunca mais justifique o interesse de qualquer grande equipe, valeu Zé; valeu mesmo, moleque! A galera vibra!...




foto de joão sassi

varjão -df

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Três Minutos de Emoção e o Anticlímax do Jogo Final


A torcida do Porco nem esperou o apito final para vibrar.

                                                      
Logo no início da transmissão de Parmêra e Coxa, pela Copa do Brasil, o colega Maurício Noriega, comentando pela ESPN, aludiu à atmosfera que envolvia uma final de campeonato. Não lembro exatamente quais foram suas palavras, mas era clara a emoção que ele sentia ao frisar a contagiante vibração coletiva da qual era partícipe. Era o tal clima de final.

Algo que não houve, por exemplo, na sombria arena onde se realizou a primeira partida da final... Puft! Primeira partida; que papo é esse? Final é final, e ponto final. Sou contra a realização de uma final bipartida.

Senão, vejamos. A partida de ontem - todos os que viram, sabiam, e os que não viram, sabiam também - foi totalmente baseada no placar do primeiro jogo, resultando num time de marcação resistindo a outro que tentaria lhe fazer pressão; a very boring script...

Na tentativa de se fazer “justiça”, para que as duas torcidas possam comparecer e o fator campo seja favorável a ambas as equipes – na verdade, só para dobrar a renda -, criou-se a dupla-final, na qual, muitas vezes, o clima é, mas pode não ser, de uma grande final; principalmente quando há diferença de mais de um gol no “jogo de ida” – algo já feio desde sua denominação!

De uma final eu espero o clima ao qual se referiu o Noriega; um clima diferente, com uma “densidade diferente”, no qual toda a cidade – e não somente os que comparecem ao estádio – pulsa no mesmo ritmo. E não é que isso não ocorra no jogo de ida; apenas é diferente, pois o jogo de volta é que se configura numa grande final. Só este jogo literalmente final tem condições de propiciar o sentimento de que se está à beira do Paraíso ou do Inferno, pois não haverá amanhã: a decisão é hoje! É o jogo final! O dia do Juízo!!!

Tal sentimento deveria ter cadeira cativa, obrigatoriamente, em toda final, pois é nele que está aplicada toda a devoção do torcedor; é para isso que ele torce e paga ingresso, enfrentando todo o caos que o acompanha até seu lugar na arquibancada. Mas, não, amigos; não está!

Ontem, vos digo, este sentimento tão nobre, tão vital, tão... Visceral!, ontem, este sentimento mal teve lugar; no mínimo, o teve em escala muito menor do que se esperava. A primeira vez, antes do apito inicial, quando as expectativas eram todas, de parte a parte; e a segunda, durante os míseros três minutos que separaram o gol do Coritiba do gol do Palmeiras. Somente ali, naqueles parcos porém mágicos três minutos, o futebol viveu o ápice das emoções que somente uma final propicia, mas que logo encontrou seu fim na cabeçada surpresa de Bentinho. Antes dela, porém, uma torcida, enlouquecida, era pura expectativa, e a outra, assustada, a mais pura angustia: conseguiria o Coxa fazer o segundo? E o Palmeiras, vai segurar a onda?

Fez mais: empatou. E o jogo logo esfriou.

Dali em diante, num cenário avesso a maiores emoções, posto que os paranaenses dependessem de mais três tentos, perdurou certo anticlímax no Couto Pereira, até o apito final, quando, com sensação de dever cumprido, a gurizada do Felipão pode gritar “somos campões”!

Fica a pergunta: Pode isso, Arnaldo? Pode uma final ser, digamos, parcialmente degustada? É justo que um jogo que representa o porquê de todas as coisas possa ter sua própria identidade diluída por fatores precedentes? Ao imaginar que, não somente aqueles três minutos, mas que toda a partida pudesse transcorrer em perene estado de ebulição, chego à conclusão que o sistema poderia ser melhorado.

Por que não se inspirar, por exemplo, nas grandes decisões europeias, nacionais e continentais, as quais não fogem ao espírito do embate final, em campo neutro? Não é assim nas Copas da Itália, Espanha, França, Inglaterra, etc.? Não é assim na Copa dos Campeões da Europa? Por que, então, não se pensa em fazer o mesmo por aqui, com a escolha do palco do jogo final com antecedência, com divisão de ingressos e estrutura de apoio ao torcedor?

Não quero menosprezar o título dos Porco, mas acho que as duas partidas finais dessa Copa do Brasil só empolgaram aos próprios torcedores envolvidos, pois, por alguma razão (ou várias), não se criou, em ambas as partidas, a atmosfera de luta e vibração que se espera de jogos assim.


Foto de João Sassi
Varjão - DF


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Porque o Mundo Precisa de Cores!

Capacete e o Papagaio-de-Vintém: tradição que faltou ao tricolor.

Ao entrar em campo vestindo seu uniforme branco (o chamado #2), o Fluminense demonstrou total falta de sintonia com a data centenária do clássico, chegando a ser desrespeitoso com a própria história do FLAXFLU.

No campo do Borogodó este tema já foi visto, e conforme adverti em “Virou Todo Mundo Japonês!”, a questão simbólica envolvendo o uniforme dos clubes e das seleções nacionais merece mais atenção da parte de todos.

Senhores, o que deu na diretoria tricolor – mandante da partida de Domingo – para ordenar que o time fosse a campo em brancas cores? Inclusive nas preliminares, quando a velha-guarda rubro-negra trajou o tal Papagaio de Vintém, indumentária com a qual se apresentara no primeiro FLAXFLU, em 1912, numa demonstração bonita do espírito esportivo e do resgate às tradições que a festa demandava.

Qualquer criança – e nas crianças podemos sempre confiar! -, se instada a dar seu pitaco sobre o clássico, haverá de mencionar o colorido do evento: a mistura de cores que ocupa as arquibancadas e desce até o campo pelo flamular das bandeiras em meio ao fumacê rubro-negro ou ao pó-de-arroz tricolor, emprestando características expressionistas ao espetáculo futebolístico. Era isso que, ouso eu escrever, quiseram dizer Nelson Rodrigues e Mário Filho: que as multidões, quando despertadas, vislumbraram, 45 minutos antes do nada, o colorido que daria mais brilho à existência humana, corando o imaginário de todos nós em preto e vermelho; em grená, verde e branco!

Falar de FLAXFLU é, por tudo isso, um enaltecimento à própria cultura brasileira e à sua diversidade étnica. É também, o emblema perene das classes sociais representadas em cada uma das agremiações, manifestado na transversalidade das cores que simbolizam o espectro socioeconômico nacional. O Flamengo, em envolventes faixas horizontais pretas e vermelhas como as da pomba-gira, presente nos terreiros afro-brasileiros escondidos por nossa hipócrita nação. E o Fluminense, com elegantes e longilíneas líneas de cores tão aristocráticas como sua torcida, a começar pelo grená – do Francês, grenat...

Pois toda esta pompa e circunstância foi menosprezada pelo time de Laranjeiras; um passo mal dado que seria o prenúncio de um jogo cinza como foi a tarde de ontem. Não fosse o filho único parido por Fred, logo no início da peleja, e o grande clássico teria sido tão sem graça como o alvo da camisa tricolor. Ainda bem que o Flamengo não entrou de amarelo e azul – de Tabajara, já basta o Joel...


Foto: Maurício Val/Vipcomm


quinta-feira, 5 de julho de 2012

Salve o Corinthians - o Libertador da América!

A República Popular do Corinthians em 1º lugar.

Eu ia escrever sobre o sentimento que leva um corintiano a orgulhar-se de ser corintiano. Mas logo desisti, pois não sendo corintiano, é certo que o resultado resvalaria numa brejeirice atroz, descambando com frequência para a pieguice dos testemunhos épicos.

Quis escrever algo porque, mesmo não sendo corintiano, ontem me flagrei em frente à TV, torcendo como louco.

Logo eu que durante toda a Liberta amaldiçoei a caretice do Tite e o irritante (porém eficiente) futebol de resultados da equipe. Ademais, não queria fazer parte do mesmo côro que um Andrés Sanchez, ou muito menos compactuar com a beligerância de algumas facções de manos fanáticas pelo alvinegro de Parque São Jorge.

Por essas razões, torci sempre contra o Curínthia: torci contra quando se classificou; torci contra quando passou do Emelec; torci contra quando Cássio operou um milagre diante do  Vasco; e torci mais contra ainda quando se impôs, indiscutivelmente, ao Santos de Neymar – time de minha predileção após a desconcertante eliminação do meu Mengão.

Mas foi o Timão que chegou à decisão.

E logo contra o Boca Jrs.; uma espécie de Golias das Américas. Um colosso em forma de Bombonera que há décadas impinge o terror pelo continente, esmagando sem dó qualquer esquadra que lhe faça frente. De Norte a Sul, de Palmeiras a Santos, do Grêmio ao Flu, do Flamengo ao Papão da Curuzu, todo mundo já foi triturado por aquela maldita boquinha doirada e azul.

Talvez por esta razão – pelo inimigo em comum, por sermos vítimas em comum! - tão logo o juiz apitou o início do embate, lá estava eu, totalmente conectado à Fiel, atento a cada movimento no Pacaembu. Parecia a Esquerda brasileira, em 70, que, na hora do vamos ver, mandava o Médici à merda e abraçava a causa verde-amarela em solo mexicano.

Torci mesmo, e me emocionei e vibrei muito com os dois gols históricos do Sheik, e mais ainda com sua astúcia: “Malandro que é malandro dá nó em pingo d’água, boludo!”, deve ter dito o safo atacante ao xeneize que fungava em seu cangote.


Foi gostoso torcer pelo Corinthians, ainda que uma única vez na vida. Foi bom estar irmanado àquele bando de loucos que, mesmo com todos os defeitos, mostravam-se meus aliados na luta contra a ditadura bostêra.

Creio que neste 5 de julho, ao invés de demonstrar recato e dor de cotovelo, deveríamos todos os torcedores brasileiros agradecer ao Sport Club Corinthians Paulista por nos haver libertado do complexo de inferioridade do qual padecíamos frente ao imponente e prepotente inimigo do Sul.

Chupa, Boca! Vai, Corinthians!

 Foto: João Sassi

“O Salto de Vampeta” - Palácio do Planalto/DF