segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sonolentão 2015 (não bastassem os 7x1...)

Vilipendiado, aviltado e desrespeitado, o torcedor brasileiro sente sono.
Thank’s God, it’s over! Mais um campeonato brasileiro para ser esquecido! - marca registrada da “Era” dos pontos corridos...

- “Uma das vantagens em ser campeão com antecedência é poder comemorar por mais tempo!...”, inovou o apresentador do Globo Esporte desta 2ª feira, ao exibir imagens da torcida cruzeirense, no Mineirão, celebrando um bicampeonato conquistado há tanto tempo que os celestinos nem se lembram mais.

Já no ótimo Redação SPORTV, o jornalista Carlos Cereto mencionou que o gol mais festejado pela torcida palmeirense, neste ano - ano do centenário! –, foi o do Santos, no triunfo sobre o rebaixado Vitória, na derradeira rodada do campeonato, que livrou de vez o Verdão da humilhante degola. Pois não foi outra que não esta a maior atração da última rodada: a agonia dos únicos três clubes que ainda poderiam cair, pois nem disputa pelo “G4” havia mais. O que poderia ser uma data inesquecível, que mobilizasse todo o Brasil, transformou-se, portanto, num dia qualquer; num domingo desperdiçado, desses que se passa assistindo ao Faustão e comendo miojo.

As expectativas para a “rodada decisiva” eram tão nulas que o principal diário de notícias da capital do País do Futebol (o Correio Braziliense) não trazia uma única linha especializada que lembrasse ao leitor este mais que melancólico fim do Brasileirão2014. Nenhum colunista se prestou a fazer qualquer análise, tão desinteressante se mostrou o produto servido ao torcedor brasileiro. E pensar que “profissionalismo” é a palavra da moda!...

Não bastasse a FIFA nos currar durante a Copa (e depois a Alemanha nos violentar); não bastasse o governo brasileiro construir estádios superfaturados (e inacabados) com dinheiro público e doá-los a empresários; não bastasse o ingresso a preços escorchantes cobrados por estes mesmos empresários; não bastassem as proibições sem fim dentro das novas “arenas”; não bastasse a elitização e a desfiguração total do perfil do torcedor brasileiro; não bastasse a destruição do Maracanã; não bastasse a ausência de um camisa 10 de qualidade atuando por aqui; não bastasse uma camisa oficial custar, em média, 200 reais; não bastasse o excesso insano de propagandas nas camisas oficiais; não bastasse o marketing selvagem, colorido e nada tradicional nas camisas oficiais; não bastassem os clássicos de torcida única; não bastasse a volta do Eurico Miranda ao Vasco; não bastasse o time de maior torcida no país estar a mais de 140 rodadas longe do “G4” e, por fim; não bastasse o Pelé fazer as vezes de garoto-propaganda (das Olimpíadas no Rio) até quando está na unidade de terapia semi-intensiva (!), ainda temos de testemunhar passivamente como o campeonato de maior tradição e representatividade no Brasil vai se tornando o mais desinteressante e entediante dos espetáculos? Por que tanto penar, ó, Deus? Não basta termos um Dunga à frente da Seleça? Um Marin de cabelo acaju? Um Ricardo Teixeira rindo em Miami? E ainda isso?

Por outro lado, sorte a minha ter, nesse pensar, a companhia de gente da estirpe de um Xico Sá ou de um Peninha que, ontem, no excelente Extraordinários – de longe, o melhor programa esportivo da TV brasileira (aberta e fechada) – opinaram contra a escabrosidade dos pontos corridos. Como afirmou o historiador gremista, “a Final é uma entidade!”, uma data esportiva que a diferencia não somente das demais datas esportivas, senão também de todos os dias do ano. As finais marcam nossa vida. Criam registros indeléveis e produzem emoções que se refletem na imaterialidade de um não-lugar, porque em toda a cidade (todo o País!), resultando numa sinergia irreplicável em condições normais de temperatura e pressão – e os caras querem tirar isso da gente, como se nos fizessem um favor por imitar o futebol europeu com sua justiça e hábitos inexoráveis, é mole?

Pergunte, portanto, o dadivoso leitor a qualquer torcedor medianamente conectado ao mundo da bola, qual foi o grande dia do futebol tupiniquim, no corrente ano, e terás como resposta inescapável a primeira partida da Final mineira da Copa do Brasil, entre o Galo e a Raposa. Nenhuma outra peleja despertou tamanho interesse e expectativa. Nenhuma partida foi tão aguardada, acompanhada ou celebrada por tantos torcedores, de tantas agremiações diferentes, pais afora – algo deveras sintomático.

É inegável que o sistema de pontos corridos gere, além de tédio, tal gama de deturpações, que não seria precipitado pensarmos na implementação imediata de um novo modelo que atenda às demandas culturais do torcedor brasileiro, principalmente no tocante aos quesitos “emoção e imprevisibilidade”. Que os mentecaptos da CBF deixem a bola rolar solta, sem o cabresto de fórmulas tão claras quanto chatas. E que tenham os velhacos da cartolagem clarividência e criatividade, pois, do contrário, haja ânimo para suportar o Sonolentão 2015...


foto: joão sassi

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Disputa entre Galo e Raposa dá Bode

CANUTTO: E você, Bode, que que achou? // BODE: Cachorro?! Que cachorro, o quê? Eu não sou cachorro, não!


Tenho uma amiga sofredora que, certa feita, me ligou do Maracanã, onde assistia o seu Botafogo perder, só para me dizer que ela estava de frente para a torcida do Flamengo – e que era a coisa mais linda que ela já tinha visto.

Decerto, a presença da torcida adversária - devidamente achincalhada pela torcida vitoriosa, sob silvos, urros, vaias e chacotas intermináveis (sempre dentro dos limites cavalheirescos perpetrados pelo jogo, claro) – abrilhanta qualquer partida, além de fortalecer a ideia de que o esporte seja apenas uma forma recreativa que simula o conflito, não devendo prevalecer o interesse em eliminar ou acabar com o adversário, fisicamente.  – “Ser espectador de um esporte é um mecanismo que desenvolve a consciência de união das pessoas. Paradoxalmente, o esporte contribui para a união ao enfatizar o conflito entre as partes” - proferiu a socióloga norte-americana Janet Lever, em seu livro A Loucura do Futebol (Record)

Aos exasperados da bola (profissionais, amadores ou espectadores), a vida não teria completude e sentido se, em seu transcurso, não houvesse já programada uma grande final de campeonato ganha sobre o arqui-rival, nos estertores de uma batalha dada por perdida. O gol do campeonato! O delírio em campo! Os torcedores explodindo em loucura, lá das arquibancadas (ou da Geral!), em fraternal comunhão com milhares de anônimos!...  - Quem não sonhou com um momento assim, tendo a torcida adversária por testemunha, num estádio lotado?

Indiferente aos sonhos da maioria, porém, a diretoria do Atlético Mineiro preferiu disputar a primeira partida da Final da Copa do Brasil deste ano em campo diminuto (Independência), indigno para um clássico de tamanha envergadura, história e importância contextual. Ato contínuo, um entrevero entre os rivais, suscitado por recomendações da Polícia Militar e proibições judiciais, fez com que o Cruzeiro abrisse mão de sua já ínfima cota de ingressos, decretando que apenas as cores do Galo estariam presentes às arquibancadas do estádio. Ô, tristeza sem fim para nosso futebol...

Mais ainda para monstros sagrados como Tostão, que diz não entender o motivo do clássico se realizar a meia-bomba: - “Isso é um atestado de falência da sociedade e dos governos, incapazes de combater a violência urbana, no futebol e fora dele”, disse o mestre, inconformado com a bestialidade em curso.

Para o bem do esporte, o mesmo nobre princípio que equilibra e dá ordem à relação conflituosa entre adversários no campo de jogo deveria se aplicar a todos os que compõem o espetáculo; especialmente aos torcedores, que bancam todo o circo, em escala global. E não somente quanto à proteção destes, mas, inclusive, no sentido de garantir totais condições para que o embate esportivo se dê também entre eles, possibilitando a presença de torcidas antagônicas e proporcionando uma rivalidade tão saudável como pedagógica em todos os jogos, sobretudo nos clássicos, quando a paixão atinge o ápice. Deveria ser uma questão de Estado, pois diz respeito ao esporte mais praticado no planeta Terra, cuja seleção de maior expressão e respeito é a brasileira (ou costumava ser).

O combate à ignorância e à selvageria não deveria se dar nas ruas (e muito menos nos estádios!), mas nas salas de aula, em campos e quadras espalhados pelo país, oferecendo aos jovens, praticantes ou não, a exata noção do zelo que devemos ter por valores vitais à sociedade, como a tolerância, a aceitação e o respeito à diversidade.

É vergonhoso que, governo após governo, o esporte nacional, inestimável instrumento de coesão social e promovedor de alianças e aproximações culturais as mais diversas, em nível mundial, venha sendo deixado de lado e tratado como coisa pequena no que diz respeito a sua função social, embora cada vez mais como grande negócio, quando os interessados são poderosas multinacionais exploradoras do trabalho infantil, xeiques trilhardários ou meros ditadores – a eles, o tapete vermelho, o Brasão e as cores nacionais – e o Hino, de lambuja!

A presença de interesses inconciliáveis (somente uma agremiação sairá vencedora), representados pelas torcidas rivais num estádio de futebol, deveria ser obrigatória por conta da própria natureza do esporte, segundo a qual um rival forte é mais apreciado que um fraco; rivalidade esta que se dá, tanto e mais, se houver espaço para embates simbólicos que extrapolem as quatro linhas, enfatizando as diferenças clubísticas e enaltecendo o sentimento de cada torcida em relação ao seu time. 

O extermínio daquilo que nos é distinto representa a morte da nossa maior fonte cultural de estímulo e paixão, e também uma sociedade mais violenta e desequilibrada. Em seu quadro clínico-político vegetativo, no entanto, o Estado brasileiro segue desprovido de qualquer ideia ou ação que favoreça o bem-estar comum.

Por ora, enquanto perdurar o pensamento unidirecional das massas de que é impossível conviver com "o diferente", e até quando não se sabe, o futebol brasileiro será apenas um sonho que se sonha só, desprovido de essência, cada vez mais alienado e alienante, distante como nunca de suas raízes multiétnicas de mistura e paz, união e celebração. Povo sem cultura é povo escravizado.

PS: Penso em Manoel de Barros e só consigo sorrir, mesmo com sua escapulida da vida. Viva o poeta. 

foto: joão sassi                                                 
@BorogodoFC

sábado, 18 de outubro de 2014

Sheik no Mengão!

O povo sabe o que quer...

Você gostaria de ter no seu time um jogador que, além de curtir uma balada, é chamado por tudo quanto é torcedor de mercenário, chinelinho e filho da puta? Um sujeito que não pára em time nenhum, sempre saindo vazado, em rota de colisão com a diretoria, às vezes com parceiros de vestiário ou até mesmo com a própria torcida dos clubes por onde jogou; você contrataria?

Pois eu, mesmo sabendo que meus irmãos rubro-negros vão chiar e me xingar, digo ao povo que sim; que daria apoio total à contratação do intrépido Sheik – o Emerson, para o Mengo, Não apenas por se tratar de um jogador-torcedor que, ademais, tem estrela, é goleador, raçudo até doer, além de um puta colecionador de títulos, mas, principalmente, por representar o que há de mais autêntico no futebol brasileiro.

Sem medo de errar, Emerson é, de longe, nosso jogador menos hipócrita – e isso significa muito! Não porque simplesmente gravou a ferro quente no inconsciente coletivo nacional uma verdade que ecoará para sempre – “CBF, você é uma vergonha!” – mas, principalmente, por dar a entender a quem o acompanha que a mise-en-scène do cotidiano profissional seja apenas um pequeno detalhe em sua vida pessoal, cuja essência, malandra, porém sincera, segue intacta. A cumplicidade que ele impõe ao interlocutor, por exemplo, parece ser de uma inocência quase infantil, mas é apenas a velha malícia brasileira, tão em falta no atual cotidiano ludopédico.

Suas declarações, quando contrastadas às dos demais jogadores, nos dão a dimensão da falta de personalidade e de lucidez que impera por estas, agora, inférteis searas brasileiras. Sheik não chuta no vazio. Segue uma escola de gente que dizia o que pensava - como um Paulo Cesar Caju, um Afonsinho, um Sócrates, um Renato Gaúcho ou, mais recentemente, um Juninho Pernambucano. Uma linhagem que encontra no semi-aposentado craque Alex, do Coxa, um de seus últimos  remanescentes. O sérvio Petkovic era da mesma estirpe, mas, por ser gringo, criado no Leste Europeu e ter tido sólida educação socialista, não pode ser integralmente aceito nessa seleção genuinamente brasileira, embora siga sendo um dos mais belos paradigmas de inteligência e personalidade a ter se expressado pelos nossos micrrrrofones.

Com quase trinta anos nas costas, Emerson voltou ao Brasil sob considerável desconfiança por conta do tempo que passou no Japão e nas Arábias; era o famoso “quem?”. Como cartão de visita ao ressabiado torcedor, sagrou-se campeão brasileiro, por três times diferentes, consecutivamente, sempre marcando presença.

No Flamengo, foi ele quem segurou as pontas até Pet e o Impera assumirem o comando da galé rubro-negra, rumo ao Hexa, em 2009. No Flu, fez o gol do título no ano seguinte (e tantos outros mais), conquistando uma taça que os tricoletas não sentiam o prazer de levantar havia mais de um quarto de século – desde o tempo do Romerito, cumpádi! No Timão, após nova conquista do Brasileirão, enfrentou aquela que, na minha módica opinião, talvez seja a prova mais cascuda que um boleiro pode encarar: final de Liberta contra o Boca.

Para saber como ele se saiu, basta dar um pulinho nos arredores do La Bombonera e perguntar aos torcedores xeneises o que pensam do Sheik... O cara que apresentou aos portenhos a malandragem carioca e deu nó em pingo d’água, deixou de morder um dedo argentino enfiado em sua boca, irritando ao limite do possível quem sempre fora mestre em nos irritar. De lambuja, marcou dois gols na Final e deu ao Corinthians seu primeiro título continental. Aprovado com nota máxima.

Fora de campo, entrementes, sobressai-se tanto ou mais, criando situações revolucionárias num ambiente tão reacionário como o que domina e se perpetua dentro do futebol, em que boa parte dos envolvidos é machista, preconceituosa e até mesmo homofóbica. Emerson não é nada disso e publicou uma foto sua dando uma bitoca num amigo. O cara se garante. Mais que um jogador, é um indivíduo que usa sua ousadia para transformar a realidade que vê, e com a qual não concorda. Como reconhecimento ao seu gesto cidadão, no entanto, houve muita gente querendo proibi-lo de vestir a camisa do Corinthians, quando não, linchá-lo em praça pública.

Recentemente, logo após sua demissão, pelo Fogão, ele trouxe a público um vídeo em que aparecia à vontade, de calção de banho, dançando uma musiquinha palha e sorrindo sob o sol. Mas como o Botafogo, havia perdido uma partida na véspera das imagens virem à baila, nova onda de críticas conservadoras e preconceituosas foi despejada sobre o atleta, entre outras coisas, por suposto “desrespeito” e perobagem. Na realidade, o cara apenas estava sendo ele mesmo, curtindo o pacto de felicidade que estabeleceu com a própria existência – o que deixa muita gente raivosa.

Figuras como ele, com uma carreira de sucesso, auto-estima elevada e, sobretudo, pensamento crítico, causam calafrios nas estruturas mais retrógradas da sociedade, dentre as quais o futebol ocupa lugar de destaque. Conforme revelou, ao não ser convidado para o churrasco de aniversário promovido pelo presidente botafoguense, há festas às quais não vale a pena comparecer. Ele sabe perfeitamente que o meio está assim de gente “nada a ver”...


Defendo, portanto, sua volta à fragata rubro-negra, na qual teria tudo para formar uma parceria suburbana do mais alto quilate com o Luxa, metendo brasa nas caldeiras e agitando a regata flamenguista rumo à Liberta. Quem gosta de calmaria é marinheiro. Sheik no Mengão!


foto&arte: joão sassi

segunda-feira, 7 de julho de 2014

É bom de malhar, é bom de cuspir - Zúñiga Geni!

Sem Neymar, venceremos alemães e argentinos
Podem apostar comigo; o colombiano Zúñiga ainda será lembrado como um cara legal. E talvez, mais cedo do que se imagine, haveremos de agradecê-lo pelos serviços prestados.

Primeiro porque a covardia contra Neymar, sob o aspecto físico, não deixará qualquer seqüela no astro – o que, por si só, se revela o maior dos alívios, tanto ao coração dos brasileiros como ao bolso dos banqueiros. Só quem sente dores crônicas na coluna vertebral sabe o que é sentir dores crônicas na coluna vertebral... Mas disso nosso craque não padecerá.

Segundo porque, involuntariamente, deu ao time brasileiro a oportunidade de se fortalecer como equipe à medida que as expectativas não mais recaem sobre um salvador, e sim sobre todo o grupo. Zúñiga deu chance a 22 jogadores de poderem brilhar coletivamente. De sobra, ainda livrou Neymar de substituir Barbosa como potencial carregador do fardo de mais uma eventual “vergonha” nacional. É um efeito colateral atraente numa tragédia que se configurava sem ser anunciada, sub-repticiamente.

Vida de jogador é dura, embora seja inegável que nossos craques recebam, hoje, muito mais mimos e panos quentes que nos tempos de outrora. Talvez isso forje personalidades menos preparadas para a pressão. Pelé só chorou após ganhar seu primeiro Mundial; Ronaldo agüentou, mas surtou às vésperas de sua primeira grande decisão; já Neymar, marejou antes mesmo da bola rolar no Itaquerão, na estréia da Seleção. Sinais de que o menino doirado não seguraria o rojão? Se sim ou se não, é certo que a tensão sobre seus ombros seria desumana; algo que nem Garrincha, Pelé, Zico, Romário ou Ronaldo sofreram, uma vez que nunca disputaram uma Copa do Mundo em casa.

Pessoalmente, acho que o Moicano não daria conta, sozinho, da Alemanha, da Argentina ou da Holanda, que estão num melhor momento. Não porque lhe falte talento, mas, sobretudo, por conta da omissão dos demais. Na hora do vâmovê, todos se livrariam da bola, deixando a estrela solitária perdida numa galáxia de marcadores. E, cá entre nós, alemães não são croatas, holandeses não são chilenos e argentinos não são camaroneses; ao contrário, esses caras têm camisa, tradição e futebol. A torcida canarinho parecia depositar suas esperanças menos na qualidade da Seleção que num eventual “jeitinho” ou lance genial, o que se confirmou quando do empate com o México e também com o Chile, nosso tradicional saco de pancadas em Copas.

Assim, aos trancos e barrancos, jogando mal e tal, esperávamos passar pelos alegres Novos Baianos de Berlim. Com alguma sorte, reza e macumba forte, o plantel alemão sentiria os efeitos de quatro semanas regadas a azeite de dendê, deixando a vaga sonhada à nossa mercê. Na final, contudo, os deuses do futebol não titubeariam e nos reservariam a Argentina de Messi. Estava, pois, configurado um novo Maracanazo, pronto, feito e acabado, posto que os argentinos não dessem chances ao tutu mineiro, tendo trazido de outras plagas seu próprio cozinheiro. Que brasileiro conseguiria sobreviver a um vexame tanguêro?

E, de repente, derrepentemente, vem de lá Seu Almeida, vulgo Sobrenatural, e nos presenteia com um joelhaço na espinha dorsal que, tal como o choque da tomada dado no dedo da criança desavisada, produzirá um efeito colossal. Fred deixará de pecar e orar para fazer gols decisivos nos dois jogos, Fernandinho brilhará como nunca, Luiz Gustavo não deixará ninguém se criar e Bernard irá botar pra quebrar. Sem falar em Dante, nosso Kant soteropolitano, quem irá traduzir aos companheiros toda a lógica filosofal do jogo alemão, deixando nossos adversários sem resposta ante a argumentação da defesa brasileira. Com a ausência de Neymar, todo mundo terá de se ligar. E a massa finalmente, pelos estádios, recomeçará a cantar: ”Meu amigo argentino/ diz aí, como é que é/ ter somente duas Copas/ uma a menos que Pelé!...”.



PS: Um #salve pro Neymar, um pro Zúñiga e outro pro Amarildo (os dois)!

foto: joão sassi

domingo, 29 de junho de 2014

É tempo de Copa!

Hermanos colombianos na mira do Brasil.

A Copa do Mundo começou!

Cá entre nós, gente do metiê, essa tal “fase de grupos” só serve aos anseios políticos da FIFOTA, para fazer de conta que todo mundo participa da festa e angariar votos. Findadas as preliminares, porém, chegamos aos finalmentes, a fase mais gostosa, que dá aquele friozinho na barriga e um comichão na bexiga, fazendo a machaiada segurar o piu-piu e a mulherada apertar o xibiu.

É quando o cidadão não consegue ir à geladeira buscar uma gelada ou sequer ir ao banheiro dar aquela aliviada. É quando aparece a mãe, a tia, o cunhado, a irmã, o primo e mais uma porrada de gente que nunca se reuniu para ver um jogo, e que agora, juntos, torcem como loucos pela Seleção. É o gol que arrebata, é o empate que maltrata, é a bola no travessão que quase mata, enfarta.

A família volta a ser a célula-mater da Pátria e, como num estádio, quem não tem afeição ou intimidade já se abraça, vibra, pula, fibra! É o abraço suado, embriagado, o calor de quem a gente gosta, ou nunca gostou. Mas é por uma boa causa; é pela alegria. Não com “muito orgulho e muito amor”, mas por amor verdadeiro, por inteiro. Vontade de olhar nos olhos, de gritar, chorar e sorrir juntos. Quase sexual. Vontade nacional.

É tempo de Copa! É tempo de corpo. De pegação de línguas; de línguas úmidas, molhadas, enroladas. É tempo de união entre os povos. Tempo de celebração, confraternização, emoção. É tempo de Copa, pôrra!  

Não dá para perder o bonde e deixar a vida passar porque a banda não toca do jeito que você quer. Se solte! Se deixe! Largue de dureza, hômi! É mês de festa, de São João, quadrilha, Lampião! Se avexe, caba, porque é mês de Copa e ela está ali, piscando pra você, como cavalo encilhado, como uma moça, um afago, um gol escancarado.

Se o Diabo mora ao lado e patrocina o rebolado, se benza e tome banho de ervas para tirar o mau-olhado, mas não se vingue do que nos é tão adorado. Não guarde mágoas do amigo alienado, baba-ovo do Galvão e tiete do Felipão. Releve. Esqueça. Esmoreça e aqueça o coração. É tempo de Copa, meu irmão!

É tempo de uma energia que não rola toda hora. Não faz sentido ser tão rígido, intransigente, brigalhão. É tempo de Copa, cara! Do sofrimento desnecessário, angustiante, redentor. É tempo de vitória suada, nos pênaltis, nos acréscimos, inesperada.  Tempo de vitória sofrida. Tempo de vida.



 foto: joão sassi



quinta-feira, 26 de junho de 2014

Mordidinha no ombro

Hincha charrúa pronto para pegar o Blatter dicunforça.
“For the good of the game!” - é assim que a FIFA alardeia ao mundo suas intenções em relação ao futebol. Portanto, para o bem do jogo, é bom que todos joguem limpo.

Não ria, cético leitor; a FIFA preza pelo fair-play. Prova disso é a exemplar punição sentenciada ao guerreiro charrúa e atacante uruguaio, Luizito “El Conejo” Suárez, por conta de uma mordiscada num cannelloni italiano, seu colega de profissão. Com a cajadada, a toda-poderosa pretende matar dois coelhos: auto proclamar-se a guardiã da bola, além de advertir aos maus elementos que ali as regras existem para ser cumpridas. A entidade parece resoluta em extirpar do esporte qualquer sintoma exacerbadamente humano, projetando no horizonte uma peleja robótica, protagonizada por tão infalíveis e obedientes jogadores.

“O vídeo-tape é burro”, disse Nelson Rodrigues, quiçá o homem que mais compreendeu a alma da gorduchinha. Mas de que adianta emperolar o porco se a dona do jogo, que já não dá ouvidos às tradições da bola, escuta muito menos aos poetas e filósofos dessa Escola? Ela não somente confere as imagens da partida, como dá vida a transgressões não computadas pelo juiz, penalizando o infrator por meio de um hipócrito tribunal post mortem.

Suárez virou bode expiatório por ser reincidente. Na final da Copa da Alemanha, Zidane, que com seu cabezazo na caixa dos peitos poderia ter simplesmente matado o Materazzi, recebeu apenas três partidas de suspensão – algo muito coerente e justo, creio -, e isso porque já havia anunciado a aposentadoria.  

Mas seguindo a lógica bizarra ora em voga, o símbolo “Pelé” seria, por exemplo, hoje, menor do que é. Pela cotovelada na fuça de um uruguaio, na semifinal de 70, o crioulo teria pegado ao menos dez partidas de gancho, tamanha a violência do golpe. Tudo, no entanto, ficou em celestes nuvens; ele jogou a Final, imortalizou-se e fez da camisa 10 canarinho um ícone mundial. Nada disso teria rolado se os cartolas tivessem metido a nariga onde não são chamados.

Isso para não falar dos milhares de pênaltis não marcados, dos gols mal assinalados ou sequer validados e dos corações infartados por equívocos da arbitragem. Será que o bandeirinha suíço que deu o famoso não gol inglês, em Wembley66, vai ter sua honra e seu nome depreciados pela FIFA em praça pública, agora que se instituiu as câmeras na linha do gol? Seu erro causou uma derrota em final de Copa, enquanto que o de Suárez, somente uma escoriação. Qual equívoco selou mais vidas ou mudou mais destinos? Por que, então, a FIFA age como uma divindade envolta em castidade para selar o porvir dos verdadeiros protagonistas do espetáculo, sem nenhuma responsabilidade?

E mais: o que ela quer dizer com nove partidas de suspensão e quatro meses longe de qualquer atividade relacionada ao futebol, proibindo o indivíduo, inclusive, de freqüentar estádios – sem mencionar as 100 mil libras de multa? Aviltamento público? Não sou defensor das bordoadas, mas qual a diferença entre uma mordida e uma cotovelada na cara? Ou de uma cusparada no olho? Quantas pancadas nebulosas não são dadas, diuturnamente, pelos campos de futebol, mundo afora? O padrão-FIFA quer criar jogadores insensíveis, sem emoção?

Zizou justificou que o italiano havia ofendido sua irmã e sua honra, e todos o perdoaram. Isso torna sua cabeçada menos violenta que a dentada de Luizito? Ou menos letal? Menos perigosa? Que jurisprudência ou moral tem a FIFA para acusar este ou aquele por jogo sujo? Logo ela, que merece o epíteto mais do que qualquer outra entidade capitalista no planeta. Logo ela, que inventa uma Copa no meio do deserto e mandou o bom senso se Qatar!

Obviamente que não se trata de perseguição, como alegam os uruguaios; do contrário o mediano Diego Forlán nunca teria sido eleito o melhor da Copa passada. Mas o viés totalitário e injustificável da punição contribui para desconfianças, além de um natural arrefecimento da nossa paixão em relação à Copa. A FIFA não entende de futebol e age com recalque. Toda solidariedade ao Povo Cisplatino. E mordidinha no ombro pro Blatter.


foto: joão sassi






terça-feira, 3 de junho de 2014

O Craque Cinema Novo - Torcer ou não pela Seleção?

David Luiz - um craque com uma câmera na mão e boas idéias na cabeça.
A dez dias da Copa do Mundo do Brasil, manifestar entusiasmo pela Seleção Brasileira pode colocar o elemento sob maus lençóis, estando, o incauto, sujeito a ataques ideológicos de todas as frentes. É como se a torcida pelo time canarinho revelasse, em última instância, uma indiferença aristocrática em relação aos problemas sociais da nação, e quando não, pura alienação. Tenho a sensação de déjà vu, mas admito que talvez haja razões para se torcer contra...

Na Copa de 70, no auge da carnificina ditatorial tupiniquim, Médici colou a imagem do Governo à da Seleção; abraçar a equipe nacional significaria dar lastro às torturas e ao estado de exceção. Passei boa parte da minha vida num conflito interno, indagando à minha consciência o que faria se fosse nascido à época de tal patifaria. Engajar-me na luta armada, sim, mas deixar de torcer pela Seleção... Haveria sentido em tamanha traição?

É possível (e até compreensível) que muito guerrilheiro “subversivo” tenha comemorado o gol da Tchecoslováquia que abriu o placar contra nosotros, na estréia. Era um gol nos córnos do general, afinal!... Entretanto, após espetacular virada (4x1), as emoções produzidas revelaram um sentimento de leveza e êxtase que nada tinha a ver com o regime de terror imposto pelos torturadores - e quem antes torcia o nariz, passou a torcer a favor. Os militares não tomariam o que é nosso.

Enquanto o Estado era beligerante e genocida, gerador de tensão mórbida constante entre os cidadãos, Pelé e companhia eram êxtase e fantasia, motivo de orgulho puro e alegria! A conexão havia se dado pelo sentimento daqueles que se viam representados num terreno fértil de arte e inventividade, simbolizado pela técnica exuberante e envolvente do time brasileiro. A cada vitória, a lembrança de que ainda havia vida e esperança, apesar das mortes nos porões.

Nas três copas subseqüentes, esse incômodo enlace entre a então CBD (Confederação Brasileira de Desportos, que logo se tornaria CBF) e a ditadura militar sempre incomodou o torcedor; algo tirava a plenitude do prazer e do apoio incondicional. Com o fim dos anos de chumbo, a Copa de 86 traria consigo o restabelecimento de um sentimento genuíno entre a Seleção e o povo brasileiro; um amor sem amarras, livre e desimpedido. O país tirava do forno uma Constituição Cidadã e todo mundo naquele pensamento positivo de que o amanhã seria melhor, todos batalhando ‘pro dia nascer feliz’! Mas aí, o Tancredo morreu, o Sarney apareceu e o time do Telê sifudeu! Doravante, o affair entre o scratch brasileiro e o torcedor voltou a degringolar; desta feita, não só por razões ideológicas, mas, sobretudo, econômicas.

Não bastasse a ziquizira que se abateu sobre a Nova República, ainda tivemos de aturar o Collor batendo pênalti, o Lazaroni comandando a seleça e o Ricardo Teixeira vendendo a alma do futebol brasileiro ao Diabo. A principal medida adotada pelo tão arguto como moderno cartola foi conceituar e valorizar a marca “Seleção Brasileira”. Como resultado, a grana saiu pelo ladrão durante sua extensa e lucrativa gestão. O amor, no entanto, foi miando no coração da população.

Não que nos faltassem motivos; ao longo das duas últimas décadas, Romário, Robolão, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká, com inúmeras conquistas, mundiais e demais, mantiveram as ações da CBF em alta e a Seleção Brasileira nos píncaros do estrelato. Mas enquanto a marca se sobrelevava, a alma padecia. Na Era das comunicações instantâneas, o link entre a realeza do futebol mundial e seus mais abnegados súditos se deteriorava a cada amistoso disputado em campos londrinos, texanos ou médio-orientais. Vendida a sheiks, nikes, claros, sadias, itaús e gilletes da vida, a equipe atual parece uma vitrine de garotos-propaganda.

Para piorar, as televisões, insuportavelmente onipresentes, transmitem todo o cotidiano da Granja Comary em clima de oba-oba e celebritismo, transformando tudo numa Disneylândia verde-amarela e o telespectador num retardado mental ufanista. Forjam a toda hora o papel de porta-voz oficial da Seleção, paparicam o Felipão e impõem aos despreparados atletas uma amizade forçada e constrangedora. Domingo à noite, por exemplo, o FANTÁSTICO prometia “Neymar, na intimidade, como você nunca viu!”. O rapaz não podia nem olhar paras as coxas da Bruna, e lá estava uma câmera bigbrodiana a noticiar a malícia do craque evangélico.  

Uma coisa é ver a rapaziada do CQC fazendo perguntas indiscretas ou arrotando intimidade junto aos famosos; outra é ver um jornalismo pretensamente sério tutelar jogador, como faz Luiz Roberto, ao chamar seguidamente de “Waltinho” o atacante Walter, do Fluminense, evocando, coloquialmente, uma pretensa empatia entre ele e o matuto centro-avante - ou àquilo que ele representa (pureza, ingenuidade, etc). Galvão, então, é o mestre dos cumprimentos juvenis e descolados, bem como daquela mãozinha paternal sobre o ombro de seus entrevistados. Ele espera que todos o tratem como uma sumidade e, dado seu ego monumental, é incapaz de reconhecer no seu interlocutor alguém de maior envergadura que ele mesmo.

O Esporte Espetacular exibiu uma entrevista de Thiago Asmar com os brasileiros que atuam no Chelsea, cheia de provocações infantis, sobre “quem é o mais falador” ou “quem tem o cabelo mais bonito”, em que se via o repórter instigando os jogadores a se comportarem como se estivessem falando à “Caras”. Houve até espaço para arrogância quando ele indagou: -“Willian, então você é o caladinho da turma?”. Deveria haver mais sensibilidade num jornalista que se vira para um ser humano tímido e manda um “caladinho”, em frente aos companheiros de profissão e às câmeras de TV, num misto de compreensão e chacota. Ele se coloca nitidamente num patamar superior ao dos jogadores que, porventura, representam a nação.

Tantos motivos, artificialismos e distorções nos levam, emocionalmente, cada vez mais para longe da Seleção, pois não nos identificamos, em geral, com a apropriação tão mercenária e padronizada de algo que nos é tão caro e seminal, como a cultura do futebol brasileiro. Tampouco queremos ver nossa paixão atrelada a imagem de uma emissora de TV "oficial". Eu não quero ser amigão do Galvão! Toleramos até mesmo que nossos clubes sejam usurpados por aves de rapina do mercado mundial, com promessas de craques, título e coisa e tal, mas quando o mesmo se dá com o selecionado nacional, aquilo que há de mais genuíno no nosso sentimento acaba morrendo, mesmo que aos poucos. Dá vontade de recolher as bandeiras...

Nisso, em nada contribui o Governo Brasileiro, em meio a tantas promessas não cumpridas, apregoar, fanaticamente, o tal #CopaDasCopas rede afora. Moro numa cidade-sede e estou envergonhado com o Governo local (do mesmo partido da Presidenta) por conta do despreparo e das “suspeitas” de superfaturamentos, desvios e corrupção, mas vejo peças publicitárias informando-me que moro no Paraíso. Em documentário exibido à semana passada pela TV Câmara (Mané de Brasília), Agnulo (apelido carinhoso do nosso mandatário) se jacta de estar construindo o “estádio mais barato da Copa de 2014”... Na boa, não tem como não se revoltar com os 1.6 BI gastos até agora, a despeito do entorno do Estádio Mané Garrincha continuar uma joça.

E então, que se dane a merda da Seleção?... Ou não?

Em meio ao desânimo e à desesperança, eis que o zagueiro David Luiz dá mostras de que nem só de bobos vive o esporte quando é indagado como seria sua “copa das copas”. A resposta, cheia de personalidade (dada a frivolidade com que a Globo costura sociologia e futebol) ecoou pela televisão de cada residência como ar fresco entrando pela janela da madrugada: - “Quero que o Brasil também seja campeão fora de campo: que nosso país consiga enxergar que também é importante que nosso povo tenha mais ajuda em inúmeros aspectos. De que adianta ser campeão dentro de campo se nossa gente não está bem?”.

À época do Tri, Tostão, por exemplo, não disse nada, apesar de se sentir envergonhado em ter de apertar a mão de Médici, no Palácio do Planalto. No contexto atual, porém, está claro que alguém que aproveita os holofotes para chamar atenção às necessidades do seu país não pode ser tratado como um alienado ou mau exemplo de cidadão. É um ídolo que fala às novas gerações sobre a necessidade de mudança da realidade social brasileira – é o “Craque-Cinema Novo”!

Não se pode, portanto, confundir a CBF e suas patrocinadoras, tampouco a mancomunação do Governo Brasileiro e da FIFA, com cada um dos indivíduos convocados para representar a população brasileira numa Copa do Mundo – a maior demonstração de congregação mundial entre os povos.

Por isso eu digo foda-se à CBF, à FIFA, aos patrocinadores, à situação e à oposição política nacional, e a todo aquele que se aproveitou para roubar a nação, e também à Joana e ao Teixeirão, mas à Copa e à Seleção, não! Não é por culpa dos jogadores e muito menos do cidadão (ainda mal instruído, mal-educado e maltratado) que o Brasil ainda seja tão desigual, atrasado e corrupto. Que sejamos hexacampeões, e que, a exemplo de David, a vitória da Seleção, em nossos domínios, expresse o desejo popular e simbolize um país menos vira-lata; um país que joga não somente para inglês aplaudir, senão para o povo brasileiro evoluir.



foto&arte: joão sassi

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Carta Aberta ao Ministro Aldo Rebelo - Pela socialização do torcedor brasileiro!

Emissoras de rádio e TV retransmitem a carta do Borogodó.
Caro Ministro Aldo Rebelo,

Desculpe incomodá-lo, pois sei que Vossa Excelência deve estar ocupado sobremaneira com as quadrilhas responsáveis pela organização das festas juninas vindouras. Quisera eu estar falando do São João, mas é sobre Copa do Mundo, mesmo. Sabedor do seu contagiante nacionalismo, venho tratar de um assunto o qual preciso de sua avaliação, na esperança de, quem sabe, ser convencido por vossa sapiência a reconsiderar minha decisão, mas o fato é que estou pensando seriamente em migrar para a Alemanha.

Perdoe a falta de ufanismo, senhor ministro, mas de tão desiludido com os cartolas daqui, e de tão empolgado com a evolução do futebol alemão, cheguei a escrever uma carta, propondo uma contratação (a minha), ao ex-craque e atual embaixador do Bayern, Paul Breitner. Acho, no entanto, que ele ainda não teve tempo de ler a correspondência sul-americana... (Alô, Paul, responde aí, meu!). De todo modo, espero que o senhor encontre um tempinho para ler esta cartinha, já que sequer lhe peço emprego.

E se tomei essa drástica decisão, Dr. Aldo, é porque estou cansado de ser achincalhado por notícias vindas d’além mar, dando conta do respeito que as autoridades alemãs têm pelo futebol do país. Sem falar do respeito que os cartolas de lá têm pelos clubes que gerenciam, e também pelos seus torcedores! Estou farto da eficiência dos projetos por eles arquitetados, e olha; estou “por aqui” com a maior média nacional de público, no mundo, presente aos estádios de futebol. Só a zorra do Borussia Dortmund põe 80 mil negos nas arquibancadas, por jogo, com direito a salsicha e cerveja alemãs nos bares – além das próprias alemãs, seu ministro!

Dia desses, em texto aqui publicado (Maracanã: chucrute com banana), eu já havia enchido a bola dos germânicos, ao tomá-los como referência na arte da antropofagia ludopédica, conquanto soubessem assimilar características importadas, mantendo a originalidade cultural local. Exemplo disso ocorreu quando se acatou certas imposições da FIFA durante os jogos da Copa-2006, revogando-as, posteriormente, por não serem de interesse do torcedor alemão. Êta, povo evoluído!

A FIFA obriga o torcedor a ficar sentado; o dirigente alemão, não. Em muitos estádios, uma quantidade específica de cadeiras foi retirada após o Mundial, respeitando os desígnios e as tradições das torcidas mais populares que desejassem torcer “à moda antiga”. E mesmo durante o Mundial daquele ano, as autoridades locais impuseram cerveja nacional nos estádios, contrariando os interesses da empresa americana que patrocina a FIFA. Se os teutões podem fazer valer a vontade deles, por que a gente não pode comer comida brasileira nos estádios? Uma farofinha, um queijo de coalho, uma macaxeira na manteiga... Um tutuzinho, um acarajezinho... Nada? Ninguém merece um cachorro-quente seco e sem gosto por 10 reais, né, ministro!

Enquanto isso, nas mesas-redondas das TVs brasileiras, o que mais se escuta é apresentador e comentarista coxinhas se regozijando em dizer que “o torcedor brasileiro vai ter de reaprender a torcer(!?) e se reeducar por conta das novas arenas...”. Nossa, o pobre Darcy Ribeiro deve se revirar no túmulo com tanta subserviência cultural! Esses jornalistas deveriam conhecer o povo das Alagoas, gente tipo o senhor, a fim de desenvolver alguma auto-estima, não é verdade? Tem muito vira-latas complexado na mídia brasileira! Sinto saudades do Nelson, ministro... E do João, do Armando e de gente que dizia as verdades, sem redemoinhos e cantilenas... Néééé, ministro?!

Na Bundesliga, a média de torcedores numa partida de futebol supera os 45 mil. Já por aqui, o narrador global Luiz Roberto se derreteu ao constatar o total de pagantes presentes à decisão do Carioqueta-2014: “Agora, sim, um púbico digno de final!”, desabafou, satisfeito com os 42 mil aficionados que assistiram ao “Clássico dos Milhões”. E olha que Flamengo e Vasco jogaram num Maracanã padrão FIFA, ministro!  Tava assim de cadeiras vazias, ministro!!! Não seria o caso do senhor acionar a ABIN, para eles apurarem o que está acontecendo? Isso só pode ser sabotagem internacional! Esses gringos são foda, ministro!

O abnegado da Fiel que nesse Domingo quis curtir Curíntia e Figueira, pela 5ª rodada do Brasileirão-2014, conseguindo escapar dos cambistas, desembolsou ao menos 50 mangos pra ver o Timão se afogar no recém-inaugurado Itaquerão inacabado. E não adianta vir com chorumelas e com aquele “papo de noiva” porque a gente não é bobo, ministro; o bagulho tá em obras e ponto! Nesse evento, o ingresso mais caro custou 400 pilas. Já na terra do chucrute, da panqueca de batata e da salsicha branca, o ingresso mais barato sai a 45 reais para as partidas do Bayern, ou a 453, caso o felizardo queira assistir aos 17 jogos que o time fará como mandante, na multicolorida e moderníssima arena construída para a Copa-2006. Como eles conseguem isso, senhor ministro?

O presidente do Bayern de Munique nos dá uma dica preciosa ao revelar que essa acessibilidade sócio-econômica ocorre porque os dirigentes alemães não enxergam os torcedores como vacas a serem ordenhadas; - “O futebol tem de ser para todos!” – alardeia, deixando claro que não se deve impor ao torcedor uma realidade específica, mas respeitar a realidade dele e suas diversas formas de expressão. Por isso há espaço para todo tipo de espectador, e não somente para aquele que pode pagar caro. Parece utopia, né, ministro?

Aqui, por outro lado, não só acatamos o conceito de torcedor-vaca, pagando o quanto quiserem nos cobrar, como fazemos questão de evidenciar essa condição apelando às nossas raízes e tradições escravocratas. Nas circunjacências do Maracanã, por exemplo, são contumazes as cenas em que policiais-cavalariças, munidos de cassetetes, distribuem bordoadas em incautos pais de família, a título de organizar a fila... Quer coisa mais bovina do que essa? Falando em gado, manda um abraço pro Renan, seu conterrâneo querido!

Por fim, recente pesquisa capitaneada pelo Prof.Dr.Phd.etc&tal, Holger Preuss, da prestigiada Universidade Johannes Gutemberg, afirma que, após grandes eventos, os estádios devem, necessariamente, ser readaptados às realidades locais, levando-se em conta o fato de um torcedor comum ser diferente do torcedor de Copa ou de Olimpíada – este, muito mais abastado. A solução proposta: - “O Brasil adiante não deve copiar o padrão FIFA, mas desenvolver os estádios de futebol para a socialização dos torcedores brasileiros e do comportamento local.”

Confesso que, após sua atuação como parlamentar na proposta de  mutilação do Código Florestal Brasileiro, perdi completamente a confiança no senhor, mas não tendo muito a quem recorrer, e apelando à sua qualidade de Ministro de Estado, pergunto: o senhor entendeu a fórmula mágica alemã ou quer que eu desenhe?

No aguardo por vossas considerações acerca do meu futuro e do futuro do torcedor brasileiro, despeço-me enviando as melhores recomendações à família,


  João Sassi – D.T. do Borogodó Futebol Clube


foto: joão sassi

terça-feira, 6 de maio de 2014

Alecgol é Seleção!

Fé na lista; Alecgol treina em segredo, com afinco.
Respondam os atentos leitores, antes mesmo de engolir a saliva na garganta: o que têm em comum Serginho Chulapa, João Nunes Danado e Hernane Brocador? Relaxem, pois já lhos digo: são todos artilheiros, gente que sabe botar a bola pra dentro do gol. Por esta qualidade – e por tentos providenciais em títulos e finais - foram e são, até certo ponto, idolatrados pelas massas das arquibancadas (quando do tempo das massas e das arquibancadas, claro).

Ademais, compartilham o fato de serem uns perebas de marca maior, não tendo a mais insípida noção do que se pode fazer com uma bola de couro, longe da grande área. Dão de canela ou de joelho, embora saibam se posicionar. Faço aqui justiça, dando um desconto ao Nunes, quem colecionou também algumas arrancadas fulminantes e mesmo dribles desconcertantes, como o aplicado no zagueiro Silvestre, do Galo, no terceiro gol da final da Taça de Ouro de 80. Tão somente exceções, porém. De modo geral, são todos vinhos (?) da mesma safra, algo avinagrados, com falta de técnica e de estilo gritantes.

A diferença entre esses goleadores de um toque só, a despeito da aposentadoria dos dois primeiros, se dá por estes haverem tido portentosos esquadrões ao entorno, enquanto Hernane conta com esforçada, porém limitada equipa a municiar-lhe a goleadura.

Apaniguado por craques, Nunes foi simplesmente campeão regional, nacional, continental e mundial pelo melhor Flamengo de todos os tempos, enquanto Serginho levou inúmeros “paulistinhas”, o bi-nacional e, mesmo sendo bijuteria, estava juntos às jóias canarinho, como centroavante da Seleça de 82. O filme oficial da FIFOTA sobre aquela edição da Copa faz sintomática menção ao Chulapa, quando o narrador cita “um raro momento em que o desengonçado centroavante brasileiro consegue realizar um movimento articulado”...

Quanto ao Brocador, descontando o deleite de haver nascido às margens do Velho Chico, na abençoada Bom Jesus da Lapa, conquistou pouco (muito pouco, quase nada) para que suas glórias sejam comparadas às dos outros dois pernas-de-pau. Contra ele, além da falta de talento para dominar a bola, há um Flamengo indigno de suas tradições, íntimo das zonas de rebaixamento e das desclassificações vexatórias, pouco afeito a lhe dar boa vida.

O baiano chegou à Gávea sob severa desconfiança, tendo de disputar um lugar ao sol. Mas mostrando que carne de calango é banquete no sertão, conquistou a galera e uma vaga no time, posando de jogador principal nas campanhas publicitárias do Mengão. Mas aí então, veio uma joelhada maldosa e lá foi nosso goleador para o estaleiro, ó, Deus.

Não sei se pelo destino, mandinga, providência divina ou ocasião, mas essa contusão é uma bênção pro técnico Jaime, pois o reserva se encontra em ótima situação. Ele já foi conhecido por ser o filho do Lela, careteiro ponta-direita do Coxa Campeão Brasileiro de 85, e também por ser irmão de Richarlysson, espevitado lateral do Galo. Hoje, consciente do que é jogar pelo Flamengo, Alecsandro está amadurecido e confortável no papel que ora desempenha; é, com autoridade, o novo “camisa 9” do Mengo.

Entendo aqueles que torcem o nariz pro cara – já fui assim! Sei que ele tem aquele jeito meio insosso de ser, quase antipático (nisso, o testão, o cavanhaque e os dentões de coelho não ajudam em nada), mas não dá para virar a cara pro currículo do rapaz. Desde que despontou pro futebol brasileiro, pelo Cruzeiro, em 2006, ele nunca teve um desempenho medíocre por onde quer que tenha passado. Foi reserva no Atlético Mineiro, na temporada passada, por opção tática do Cuca. Fora isso, são mais de sete anos mostrando serviço! Não somente fazendo muitos gols (alguns, lindos de doer), mas também contribuindo para a armação das jogadas. Basta lembrar o golaço de bicicleta pelo Bacalhau, contra a Lusa, ou o primeiro gol marcado contra o Palmeiras, no último domingo, respectivamente, para se dar conta de sua capacidade técnica. Fora isso é lutador, eficiente e não tem medo de cara feia. E, principalmente, sabe pensar; é inteligente.

Alecsandro está com 33 anos e não está disposto a perder os holofotes que o maior time do Brasil lhe dá. Ele está na pilha para dar o máximo de si e o Flamengo, desde Romário, mais que precisa de alguém que saiba cuidar da pequena, lá na frente. Tendo iniciado a temporada na reserva, já marcou 14 gols – mesmo número de Hernane(6), Paulinho(5) e Nixon(3), juntos.

O craque tricampeão Paulo Cézar Caju disse, hoje, que o Brasil “está cheio de volante e cara alto”, além de ser um “time feio porque dá porrada e não deixa o adversário jogar”. Se eu fosse o Felipão, eu escutava o PC, aproveitava o ensejo e armava uma surpresa de última hora. Para quem já teve um Chulapa no lugar de um Careca e um Grafite no lugar de um Imperador, convenhamos; um Alecgol não ia fazer pior no lugar de um Robinho ou de um Jô (que, aliás, até se machucou)... Tempos bicudos, Brasil!



foto e arte: joão sassi




terça-feira, 15 de abril de 2014

Roberto Dinamite e a Síndrome de Superman

Roubado é mais gostoso?
A pretensa decisão da diretoria do Vasco da Gama de solicitar a anulação da partida final contra o Flamengo é de um ridículo atroz que só não é maior por falta de espaço em São Januário.  Seus dirigentes entendem que o gol rubro-negro foi fruto de roubo, sendo, portanto, ilegítimo. Clamam por justiça! Querem a cabeça do juiz, do goleiro e de quem mais estiver em conluio com tais meliantes!

É inacreditável! Esse pessoal não teve infância? Não sabe levar na boa-fé um fato mais que inerente ao esporte? O erro está implícito à disputa desportiva, uma vez que os embates estão submetidos ao julgamento potencialmente falho do ser humano. Ele não está previsto em qualquer regra, mas como um tempero que cai acidentalmente na panela, criando uma combinação espetacular, faz parte da cosmologia do esporte, permeando todo seu processo evolutivo e demais desdobramentos.

Cansados de tomar na tarraqueta, os diretores  vascaínos insistem na exposição e na humilhação públicas do próprio time, incumbência antes exercida pelos botafoguenses. Por querer voltar o tempo e refazer os acontecimentos da vida, Mr. Bob Dinamite, quem muito admirei quando em atividade, deveria ganhar o troféu "Síndrome de Superman", concedido ao cartola mais original do metiê. Como diabos ninguém teve antes tão reluzente ideia? Será que dá pra todo mundo entrar nessa fita aí, doido? É só ir lá com o adevogado, pá-pum e pronto, desembaçou? Tudo zerado? Convoca-se uma nova Final, distribui-se novos ingressos aos cambistas e tá tudo firmeza?... Mas, diz aí; tem jurisprudença, mano?

   - Poxa, Roberto, não tem! Passa outra hora, com outra roupa, meu filho, porque quem sabe não sobra alguma numa próxima oportunidade, quando vocês poderão fazer como o Flu e virar a mesa sempre que for conveniente?

O “delito flamengo-arbitral-global” teria sido admitido e confessado pelo arqueiro rubro-negro Felipe, baiano descarado, da mesma laia de Edílson e Vampeta, quando ele fez troça sobre os eternos vice-campeões com o provocativo chavão “roubado é mais gostoso”. Foi o suficiente para que o Gigante da Colina se retasse, apelando às tais providências jurídicas cabíveis mais descabidas à disposição.

Na mesma toada, nas redes sociais pululam acusações ao caráter do goleiro flamenguista. Percebo tempos tão hipócritas que uma clara provocação se torna uma prova da essência supostamente desvirtuada do povo brasileiro. Ou não se percebe que, em sua provocação explícita, ele enaltece o rival ao admitir, implicitamente, que ganhar do Vasco é tão importante que faria qualquer coisa para isso?  Ah, mas tenho certeza de que o probo leitor não coaduna com gente dessa estirpe, pois sim? Senão, vejamos...

 O brasileiro tem orgulho do sucesso internacional da seleção brasileira. É das poucas coisas que suplanta nosso atávico complexo de vira-latas.  Ao contrário da realidade social, no quesito futebol a nossa auto-imagem adquiriu autoridade moral sambando com a bola nos pés, assobiando e chupando cana ao mesmo tempo. Conquistamos cinco Copas do Mundo legítima e inquestionavelmente, com direito a Copa nas Américas, nas Oropa e até no Oriente!

Se porventura, porém, uma das estrelas bordadas na camisa canarinho, houvesse sido obtida, digamos, sob o tacão de uma ditadura militar, com favorecimentos mil, além de uma tanto sub-reptícia como elástica vitória sobre (des)determinado oponente, é certo que nos sentiríamos um pouco desconfortáveis por conta do olhar de soslaio que o mundo inteiro dispensaria a tal conquista (mais ou menos como a torcida do Sport se sente em relação ao “título” de campeão brasileiro de 87). Pode até constar nos anais, mas na cabeça da geral o papo é outro.

Apesar desta verve honesta e de sermos todos tementes a Deus, o brasileiro também faz macumba e adora jogar no bicho. São ações constitutivas da nossa cultura, como também o é a malandragem, tão bem corroborada por Túlio Maravilha – o ex-imortal – com sua providencial ajeitada no braço e conseguinte golaço sobre os hermanos, pelas semis da Copa América-95. Não vi um único brasileiro, por mais Caxias e ilibado que fosse, lamentar pelos jogadores argentinos estarem à beira de um ataque cardíaco, gesticulando, desesperados, para que o juiz anulasse o gol. Naquele momento, nosso jeitinho foi elogiado de Norte a Sul do país.

Será a prova cabal de nosso macunaismo? Não creio. É certo que se fosse contra a Venezuela, nos sentiríamos envergonhados por passar à final “na mão grande”. Sendo, porém, contra a Argentina, ter sido como foi se revelou um motivo a mais de regozijo! E não adianta falar que não foi porque foi!

Justiça, merecimento, mérito... São palavras tão bonitas, não obstante tão deslocadas do mundo da bola... Em 2007, por exemplo, estive presente ao Maracanã quando o Botafogo foi garfado e o Flamengo foi campeão. À ocasião, Dodô foi expulso por concluir a gol um ataque mal anulado pela arbitragem, impedindo a vitória alvinegra nos derradeiros minutos. Saí do estádio eufórico, mas aquela “injustiça” me incomodou muito porque, de fato, o Botafogo era muito mais time e não merecia perder. Deu até pena vê-los chorando na TV.


Agora, me pergunta se eu sinto o mesmo em relação ao jogo de Domingo? Como disse o zagueiro Wallace, só lamento pelo gol não ter saído aos 48!... Hahaha! Chupa, Vasco!

sábado, 29 de março de 2014

A FIFA, o Samba e o futebol de antigamente

Quem não gosta de Samba, bom sujeito não é...
    Fingindo que está tudo bem e que uma Copa do Mundo seja somente motivo de júbilo e alegria, venho assistindo aos filmes oficiais de edições passadas pra já ir “entrando no clima de festa”. Os arquivos de imagens anteriores à dolorosa edição do IV Campeonato Mundial de Futebol (Brasil-50) não são generosos. A partir de então, no entanto, dada a crescente qualidade de técnicas e equipamentos de filmagem, pode-se fazer uma curiosa viagem pelo futebol de antigamente, e também pelos meandros que circundaram os mundiais seguintes, suscitando saudosas ilações.

    Em meio a muitas partidas inexpressivas entre seleções igualmente incipientes, ficamos no aguardo de alguma peleja envolvendo o Brasil, ocasião em que se espera uma espécie de reverência imediata a quaisquer dos nossos craques. Em pouco tempo, porém, damo-nos conta de que esse reconhecimento não irá ocorrer e que a ignorância a nosso respeito é total. Quando muito, um elogio minguado, mas nunca uma descrição fiel àquela que permeia o imaginário brasileiro.

    Didi, por exemplo, é um dos poucos que mereceu alguma reverência no filme sobre o Mundial de 58, na Suécia, cabendo a Pelé receber a alcunha de menino-prodígio – algo bem gay, diga-se. Os demais campeões são quase que completamente ignorados, (Nilton Santos e Garrincha, inclusos). Como menção honrosa sobre o desconhecimento acerca do Brasil, registre-se que a bandeira hasteada no mastro do hotel que primeiro recebeu a delegação brasileira em terras nórdicas era a de Portugal; pode isso, Joaquim!

   Sobre Mané, aliás, percebe-se que ele é um mero desconhecido para a autoridade máxima da burocracia da bola, sendo descrito como “aquele que só sabe quem é o adversário quando entra em campo” para, por fim, ser comparado ao ex-craque driblador bretão Stanley Mathews. O etnocentrismo é tal que, mesmo com duas Taças de Campeão do Mundo no currículo, a referência continua sendo o gringo, e não Garrincha! Isso tudo, em pleno Mundial do Chile-62, quando, sem a companhia de Pelé, o mais famoso ponta-direita da história fez não somente o sol carioca brilhar sobre os Andes, mantendo a Jules Rimet em casa, como até gol de cabeça e de canhota! Para a FIFA, no entanto, o nome de Garrincha parece ser tão irrelevante como o de qualquer um seus Joões deixados estatelados pelos campos, mundo afora...

    Detalhe curioso é notar que as participações dos scratches brasileiro nos filmes sejam veiculadas com um onipresente e latiníssimo Mambo ao fundo! Quando não, Salsa. Há também cenas dos jogadores brasileiros na concentração com a inserção de um acompanhamento mais regional: música andina! Alguém tem noção do por quê? Será possível que Zé Carioca y sus amigos participaram da escolha da trilha sonora? A FIFA não gosta de Samba? Vai saber...

    A partir da Inglaterra-66, as imagens ganham ainda mais qualidade, e os uniformes, cores com texturas exuberantes! Com o registro de imagem e a captação de áudio feitos à beira do gramado, pode-se escutar o som ambiente em sua totalidade, composto pelos gritos dos jogadores, chutes na bola, apitos e, principalmente, pelo alarido da comportada torcida inglesa, com suas aristocráticas palmas a cada lance, além dos indefectíveis “ahhhhs” e “ohhhhs”, já presentes nos estádios desde os tempos de antanho.

    Um chute a gol, uma defesa, um drible, tudo deve ser aprovado ou não pelo espectador por meio das palmas. Nesse modelo, o torcedor se comporta majoritariamente de maneira passiva, reagindo àquilo que vê em campo, pouco contribuindo para ser também um ator ativo do espetáculo em curso – não por acaso, exatamente o modelo aristocrático que “muita gente” quer ver implementado nos estádios brasileiros, durante e após a Copa do Mundo "do Brasil". Deve ser porque gente comportada sempre tem mais dinheiro para gastar. Como bônus, é suprimida qualquer forma de expressão popular mais espontânea. A FIFA nos quer como consumidores desse produto, não como parte dele (we shall not forget the Matrix, fellows).

    Nesse sentido – e a despeito das belas imagens da Copa de 66 -, chama a atenção a narração empolada, bem como a peculiar percepção européia do evento, que interpreta o estádio como um grande teatro, embora com escasso enfoque ao aspecto emocional de seus atores, e muito mais a aspectos comportamentais e factuais aplicados às regras do jogo – algo totalmente diferente àquilo a que estamos acostumados. Não há referências à subjetividade subjacente à atitude dos jogadores numa disputa de bola, senão uma descrição ipsis literis do que se passa em campo. Definitivamente, não há fantasia na visão FIFA do futebol. A julgar pela última edição do manual da entidade, nota-se que esses senhores não entendem patavina de antropofagia, ou não se ofenderia tanto a cultura local com suas imposições tanto descabidas quanto desrespeitosas. Após a Copa, o brasileiro terá de reinventar o futebol, tal como o fez no passado, a ver se recupera sua alegria.

    Mas voltando à vaca fria, o último filme que vi foi sobre a Copa do México-70. Nele, Pelé já é, enfim, tratado como “Rei do Futebol”, enquanto os demais jogadores tem pouco ou nenhum destaque. Exceção feita ao arqueiro Félix, vítima de chacota e gozações sem fim por parte da locução oficial; motivos para os quais, convenhamos, não faltaram.
  
    Tenho para mim, que a Copa de 70 marcou o fim da Era Lúdica do futebol, simbolizada pela fantástica harmonia resultante da interação entre o amarelo-solar dos brasileiros e o azul-real dos italianos, tendo como partícipe a pulsante e multicolorida torcida mexicana. Nunca se viu goleada como aquela numa final, tampouco invasão de campo tão devotada, motivada tão somente pelo entendimento comum de que ali se realizara algo grandioso. Nunca se viu e jamais se verá novamente algo igual ou remotamente semelhante, pois o tempo daquele futebol já não existe. Já não permite.

    Fica, portanto, a marca de um tempo em que malícia e picardia eram palavras inocentes, de quando se esperava que o adversário, de fato, respeitasse as regras propostas. De um tempo em que o juiz sequer interferia nos protocolos da cobrança de uma falta, dado que os interessados soubessem exatamente o que fazer, sem necessidade de sprays ou de coações constantes por parte do homem de preto. De um tempo em que não se utilizava a simulação como estratagema de jogo; quando condutas anti-desportivas eram a exceção. De um tempo em que se jogava e se deixava jogar. De um tempo, enfim, em que, menos que jogadores ou homens, eram crianças confraternizando a arte do encontro, entre gols, saltinhos, beijinhos e abraços de carinho. Assim era o futebol de antigamente. 


foto: ricardo azoury