segunda-feira, 19 de maio de 2014

Carta Aberta ao Ministro Aldo Rebelo - Pela socialização do torcedor brasileiro!

Emissoras de rádio e TV retransmitem a carta do Borogodó.
Caro Ministro Aldo Rebelo,

Desculpe incomodá-lo, pois sei que Vossa Excelência deve estar ocupado sobremaneira com as quadrilhas responsáveis pela organização das festas juninas vindouras. Quisera eu estar falando do São João, mas é sobre Copa do Mundo, mesmo. Sabedor do seu contagiante nacionalismo, venho tratar de um assunto o qual preciso de sua avaliação, na esperança de, quem sabe, ser convencido por vossa sapiência a reconsiderar minha decisão, mas o fato é que estou pensando seriamente em migrar para a Alemanha.

Perdoe a falta de ufanismo, senhor ministro, mas de tão desiludido com os cartolas daqui, e de tão empolgado com a evolução do futebol alemão, cheguei a escrever uma carta, propondo uma contratação (a minha), ao ex-craque e atual embaixador do Bayern, Paul Breitner. Acho, no entanto, que ele ainda não teve tempo de ler a correspondência sul-americana... (Alô, Paul, responde aí, meu!). De todo modo, espero que o senhor encontre um tempinho para ler esta cartinha, já que sequer lhe peço emprego.

E se tomei essa drástica decisão, Dr. Aldo, é porque estou cansado de ser achincalhado por notícias vindas d’além mar, dando conta do respeito que as autoridades alemãs têm pelo futebol do país. Sem falar do respeito que os cartolas de lá têm pelos clubes que gerenciam, e também pelos seus torcedores! Estou farto da eficiência dos projetos por eles arquitetados, e olha; estou “por aqui” com a maior média nacional de público, no mundo, presente aos estádios de futebol. Só a zorra do Borussia Dortmund põe 80 mil negos nas arquibancadas, por jogo, com direito a salsicha e cerveja alemãs nos bares – além das próprias alemãs, seu ministro!

Dia desses, em texto aqui publicado (Maracanã: chucrute com banana), eu já havia enchido a bola dos germânicos, ao tomá-los como referência na arte da antropofagia ludopédica, conquanto soubessem assimilar características importadas, mantendo a originalidade cultural local. Exemplo disso ocorreu quando se acatou certas imposições da FIFA durante os jogos da Copa-2006, revogando-as, posteriormente, por não serem de interesse do torcedor alemão. Êta, povo evoluído!

A FIFA obriga o torcedor a ficar sentado; o dirigente alemão, não. Em muitos estádios, uma quantidade específica de cadeiras foi retirada após o Mundial, respeitando os desígnios e as tradições das torcidas mais populares que desejassem torcer “à moda antiga”. E mesmo durante o Mundial daquele ano, as autoridades locais impuseram cerveja nacional nos estádios, contrariando os interesses da empresa americana que patrocina a FIFA. Se os teutões podem fazer valer a vontade deles, por que a gente não pode comer comida brasileira nos estádios? Uma farofinha, um queijo de coalho, uma macaxeira na manteiga... Um tutuzinho, um acarajezinho... Nada? Ninguém merece um cachorro-quente seco e sem gosto por 10 reais, né, ministro!

Enquanto isso, nas mesas-redondas das TVs brasileiras, o que mais se escuta é apresentador e comentarista coxinhas se regozijando em dizer que “o torcedor brasileiro vai ter de reaprender a torcer(!?) e se reeducar por conta das novas arenas...”. Nossa, o pobre Darcy Ribeiro deve se revirar no túmulo com tanta subserviência cultural! Esses jornalistas deveriam conhecer o povo das Alagoas, gente tipo o senhor, a fim de desenvolver alguma auto-estima, não é verdade? Tem muito vira-latas complexado na mídia brasileira! Sinto saudades do Nelson, ministro... E do João, do Armando e de gente que dizia as verdades, sem redemoinhos e cantilenas... Néééé, ministro?!

Na Bundesliga, a média de torcedores numa partida de futebol supera os 45 mil. Já por aqui, o narrador global Luiz Roberto se derreteu ao constatar o total de pagantes presentes à decisão do Carioqueta-2014: “Agora, sim, um púbico digno de final!”, desabafou, satisfeito com os 42 mil aficionados que assistiram ao “Clássico dos Milhões”. E olha que Flamengo e Vasco jogaram num Maracanã padrão FIFA, ministro!  Tava assim de cadeiras vazias, ministro!!! Não seria o caso do senhor acionar a ABIN, para eles apurarem o que está acontecendo? Isso só pode ser sabotagem internacional! Esses gringos são foda, ministro!

O abnegado da Fiel que nesse Domingo quis curtir Curíntia e Figueira, pela 5ª rodada do Brasileirão-2014, conseguindo escapar dos cambistas, desembolsou ao menos 50 mangos pra ver o Timão se afogar no recém-inaugurado Itaquerão inacabado. E não adianta vir com chorumelas e com aquele “papo de noiva” porque a gente não é bobo, ministro; o bagulho tá em obras e ponto! Nesse evento, o ingresso mais caro custou 400 pilas. Já na terra do chucrute, da panqueca de batata e da salsicha branca, o ingresso mais barato sai a 45 reais para as partidas do Bayern, ou a 453, caso o felizardo queira assistir aos 17 jogos que o time fará como mandante, na multicolorida e moderníssima arena construída para a Copa-2006. Como eles conseguem isso, senhor ministro?

O presidente do Bayern de Munique nos dá uma dica preciosa ao revelar que essa acessibilidade sócio-econômica ocorre porque os dirigentes alemães não enxergam os torcedores como vacas a serem ordenhadas; - “O futebol tem de ser para todos!” – alardeia, deixando claro que não se deve impor ao torcedor uma realidade específica, mas respeitar a realidade dele e suas diversas formas de expressão. Por isso há espaço para todo tipo de espectador, e não somente para aquele que pode pagar caro. Parece utopia, né, ministro?

Aqui, por outro lado, não só acatamos o conceito de torcedor-vaca, pagando o quanto quiserem nos cobrar, como fazemos questão de evidenciar essa condição apelando às nossas raízes e tradições escravocratas. Nas circunjacências do Maracanã, por exemplo, são contumazes as cenas em que policiais-cavalariças, munidos de cassetetes, distribuem bordoadas em incautos pais de família, a título de organizar a fila... Quer coisa mais bovina do que essa? Falando em gado, manda um abraço pro Renan, seu conterrâneo querido!

Por fim, recente pesquisa capitaneada pelo Prof.Dr.Phd.etc&tal, Holger Preuss, da prestigiada Universidade Johannes Gutemberg, afirma que, após grandes eventos, os estádios devem, necessariamente, ser readaptados às realidades locais, levando-se em conta o fato de um torcedor comum ser diferente do torcedor de Copa ou de Olimpíada – este, muito mais abastado. A solução proposta: - “O Brasil adiante não deve copiar o padrão FIFA, mas desenvolver os estádios de futebol para a socialização dos torcedores brasileiros e do comportamento local.”

Confesso que, após sua atuação como parlamentar na proposta de  mutilação do Código Florestal Brasileiro, perdi completamente a confiança no senhor, mas não tendo muito a quem recorrer, e apelando à sua qualidade de Ministro de Estado, pergunto: o senhor entendeu a fórmula mágica alemã ou quer que eu desenhe?

No aguardo por vossas considerações acerca do meu futuro e do futuro do torcedor brasileiro, despeço-me enviando as melhores recomendações à família,


  João Sassi – D.T. do Borogodó Futebol Clube


foto: joão sassi

4 comentários:

  1. Pois este eu li! E concordo totalmente com a crítica. Em muuuitas coisas o Brasil deveria ser mais independente. Mas ainda estamos colonizados, principalmente do ponto de vista cultural e informativo, esta é a verdade dura, crua e nua. Claro que a Alemanha pode negociar com a Fifa em outras condiçõe$$. E além disso, vivemos ainda nesta enorme nação Casa Grande-e-senzala, e tudo se reflete aí. Não tem como não refletir.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querido Iraê, estou comovido com sua visita a este módico espaço cibernético! É verdadeiramente uma honra para todo o plantel do Borogodó Futebol Clube recebê-lo aqui, e o fazemos de braços abertos e com grande alegria! Esta colonização mental tem consequências mais profundas que a dor da própria carne, pois o açoite é moral. Essa mania pequena de copiar (e mal) tudo o que esses caras inventam por lá é de fazer passar vergonha qualquer Mazaroppi... Depois, dê uma lida no texto mencionado (Maracanã...), pois trato desse tema por lá também!

      No mais, voto pela rebelião das baianas da Fonte Nova; óleo quente pra cima dessa cambada da FIFA, hahaha!

      Abração,

      João

      Excluir
  2. Oi João. Li seu texto e achei bem interessante, a questão da elitização do futebol tem que ser discutida por todos. Hoje estádios viraram arenas... Isso é complicadíssimo. Voltamos à elitização do esporte no início do século passado. Tentei postar comentário no seu blog, mas não consegui. Dá que a URL contém caracteres não identificados ou algo assim. Não é a primeira vez que acontece. Grande abraço, Janca

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Salve, Janca! Grande privilégio tê-lo nessa audiência!

      O tema é super relevante. Essa elitização pode até dar mais dinheiro, mas será fatal para a alma do esporte. O brasileiro mudou a cara do futebol dentro e fora de campo, no modo de jogar e de torcer, algo que agora querem solapar; é de uma ignorância atroz!

      Curioso é que tenho tentado acessar seu blog, mas agora há um veto a partir de tantos acessos... O Lance tá imitando a Folha?

      Abraço forte,

      João

      Excluir