sexta-feira, 14 de abril de 2017

Maracanã - do Pó Viemos, ao Pó Voltaremos

Comunhão entre Céu, Terra e Povo - algo que não se constrói com dinheiro 

    Se acaso perguntado, o nostálgico leitor, por estrangeiros e etês, sobre a existência de um templo sagrado em solo brasileiro, o que lhos responderia?

    Penso que católicos olhariam para a cidade de Aparecida e sua nada franciscana Basílica de Nossa Senhora, no que muitos dos evangélicos apontariam para o universalmente cafona Templo de $alomão, enquanto que meus parcos leitores (todos ateus ou macumbeiros, espero) não pestanejariam em cravar o Maraca, vulgo Mário Filho – um templo que já não existe mais. Quanto aos incautos, inocentes e bobos ilustrados, citariam orgulhosamente o New Maracana Arena Odebrecht Cabral, etc. e tal.

    São seres que nasceram numa caverna chamada século XXI, ou nela se enfiaram, por mediocridade, e que carecem de referência sobre o ethos constitutivo do futebol brasileiro e de suas características culturais mais simbólicas. Babam pela influência gringa – em especial pela norte-americana, símbolo de ‘eficiência e espetáculo’ – e reverenciam o Super Bowl, como se toda lógica humana se resumisse cifrões, pirotecnia e ritmo pop. Por total falta de parâmetros, jamais saberão o quão extasiante era sair do túnel do antigo Maracanã para efetivamente sentir-se no interior de um templo sagrado, em dia de Fla-Flu. Não havia qualquer necessidade de selfies para dizer ao mundo, “olhem, estou aqui, estou aqui”, pelo simples ato de estar e ostentar, mas comunhão e rivalidade saudável entre os presentes, em total sinergia com o evento, e não com o telão.

   Aqueles que destruíram esse templo – mentes colonizadas, macaquinhos da modernidade – falam em negócios, lucros e outras merdas que o capitalismo impõe como metas sociais, em detrimento da tradição, do respeito e da empatia. O que importa é o que dá para tirar desse business; mesmo que em forma de propina; mesmo que ignorando pareceres enfáticos de autoridades patrimoniais; mesmo desonrando e enxovalhando o nome da própria família; mesmo colocando o Brasil de quatro para a FIFA enrabar – vale tudo.

    Foi, pois, nesse clima de suruba de valores imorais e materiais, além de muita sodomia forçada, que nasceu o New Maracana. Os arquitetos dessa bizarra maiêutica gozaram à larga e cruzaram oceanos para limpar a porra toda com serviette de table française, enquanto botavam pra éfe em cima do povo. Não há, aliás, regra mais universal e atemporal: o povo sempre se fode. Sem ele, o estádio perdeu sua alma, e com sua arquitetura interna em desacordo com história do templo destruído, perdeu a aura; virou arena. Perdeu a mítica. Passou a calar vozes, a censurar ideologias, a reprimir a alegria, as bandeiras e as percussões, rojões, emoções. Proibiu o carnaval que identificava nossas arquibancadas, e também o gramado, impedindo e penalizando o jogador que “ouse” comemorar um gol junto ao seu torcedor: - Se você for (pra galera), vai tomar amarelo! – alertou Réver a Guerrero, após El Depredador fazer vendaval na defesa para estufar as redes do Furacão, no embate da última quarta-feira.

    Do sofá, sou reportado sobre o jogo. De quando em nunca, a transmissão (que prima por efeitos especiais em detrimento do espetáculo real) permite ao telespectador uns poucos segundos de vislumbre da atmosfera da torcida rubro-negra. Encalacrados como bovinos em suas baias, pouco podem fazer, a não ser coreografia com as mãozinhas ou simpáticos mosaicos, sem o improviso e a espontaneidade que marcaram toda a trajetória do antigo colosso brasileiro. Na tela, a magnética aparece como um borrão digital, cheia de movimentos repetitivos e sem qualquer livre-arbítrio.


    Nosso templo se transformou numa igreja chata e ultrapassada, cujos valores, crenças e dogmas caminham em direção, sentido e sentimentos diametralmente opostos àquilo que querem seus fiéis seguidores. Do pó viemos, ao pó voltaremos.

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