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Já não era sem tempo; a FIFA precisava mesmo dar um jeito nesse pandemônio. |
"O erro do
intelectual consiste em acreditar que (...) possa ser um intelectual mesmo
quando distinto do povo-nação, sem sentir as paixões elementares do povo (...)."
- GRAMSCI
Após a patética e constrangedora publicação de um manual pelo
qual a FIFA buscava civilizar a população nativa durante a Copa das
Manifestações, orientando-a como “torcer” e “vibrar” adequadamente, o chorume
de idéias geniais derramadas sobre os campos brasileiros se propõe agora a
educar e a conter os ânimos dos atletas. Anseiam o controle absoluto sobre o
comportamento de jogadores e torcedores dentro de um estádio; espaço paradoxalmente
concebido para a prática de atividades que afloram as emoções dos presentes ao
máximo.
É como se pudéssemos ler o caput do seguinte artigo: Sobre a feitura e conseqüente comemoração do “goal” em shoppings
brasileiros. Artigo Único: Faça o goal e finja que não o fez; engula sua
alegria a seco e retorne, de imediato, ao seu campo para que o árbitro dê
seguimento ao jogo...
Seria esta a regra grafada no inconsciente coletivo de
nossos capachos dirigentes? Do contrário, como justificar a cena grotesca de
ver, nas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro, o pessoal que faz a
segurança das novas “arenas” retirando jogadores do Flamengo e do Botafogo, à força
(!), dos braços de sua própria torcida? Como tolerar a interferência doentia de
uma lei, regra ou norma, estúpidas e frias, no âmago de uma comemoração de gol –
a mais sagrada liturgia do povo brasileiro? Seria o caso perguntar se os nobres
dignitários do esporte comem cocô? Talvez.
É líquido e certo que a nata da intelligentsia ludopédica tupiniquim - baba-ovo do estrangeiro que
é - jamais ouviu falar do Manifesto Antropofágico, não ambicionando, portanto,
a produção cultural ou a promoção de algo verdadeiramente original.
Se essa “elite da bola” tivesse se instruído adequadamente e
aprendido a depurar um pouco seu irrefreável pendor ao vira-latismo,
curvando-se somente àquilo que de fato merecesse reverência (como o respeito ao
torcedor, por exemplo), toda a bazófia escutada nos últimos tempos sobre a
europeização dos estádios brasileiros poderia até começar a fazer algum
sentido. Mas não faz. Para essa putada que rege as leis do esporte, não basta
copiar; tem que piorar! Mesmos gastando bilhões do erário erguendo arenas para
inglês ver, essa corja logrou fazer filas monstruosas para um público de parcos
13 mil pagantes, como ocorreu no jogo do Fluminense, no Maracanã. Isso com nêgo
pagando 100, 200, 300 mangos ou mais!
Maracanã que, registre-se, cumpriu com louvor a missão de
fortalecer a identidade nacional em plena concordância com os moldes
antropofágicos: como bom brasileiro, morreu antes do tempo, coitado, mas fez em
vida o que lhe foi possível para honrar o espírito da miscigenação tupiniquim,
reunindo ao redor daquele campo sagrado um rico, denso, democrático e
representativo caldo de cultura brasileira.
Tomamos o que era dos gringos e fizemos um produto legítimo,
com requintes de beleza, autenticidade e criatividade jamais vistas ou sequer
imaginadas por outras nações – pelo POVO, e não pelo MARKETING, transformamos um
esporte em arte, e as arquibancadas em Carnaval. Se o futebol carrega hoje o
nome do Brasil nas costas, parte desse legado se deve à torcida brasileira,
essência da identidade nacional. E vem então, de lá, a pilantrada do Rolex e da
champagnota dizer que vai punir quem desse povo se aproximar? Que vai punir os
jogadores e botar “armários de terno” para apartar? É isso mesmo, Lombardi? O
que esses caras comem de manhã, afinal, cabe novamente perguntar.
Pois eu quero é que proíbam, mesmo! Que punam, mesmo! Que
arranquem os cabelos esses canalhas de gravata, seus patrocinadores de merda e
demais parasitas da paixão popular, pois assim é que os caras vão fazer
“errado”, mesmo! Vão tirar a camisa e chorar, como o doce menino Bernard,
mesmo! Que o expulsem de campo! Que se perca a invencibilidade no Horto!
Foda-se, pois além de já haver levado a taça da Liberta, o que ficará para a
história é a imagem de um moleque feliz e em Paz com sua massa. Infelizes são o
juiz e sua comissão arbitral, com sua inflexibilidade moral.
E vão continuar a escalar o alambrado, como o Gordo Ronaldo.
E vão subir a escadinha e se jogar no mar de gente, como já fizeram Fred, Elias
ou Neymar. Que se foda o cartão dado pelo senhor de preto que, podendo ser revolucionário simplesmente por ter bom-senso, prefere a covardia da autoridade intransigente.
Na verdade, estamos loucos pra essa tal “COPA FIFA” (que no
meu tempo se chamava Copa do Mundo) chegar aqui no Brasil. Que venham todos
para curtir o valor dessa gente bronzeada e participar das manifestações. Mas
que não se espantem com nossos grosseiros modos antropofágicos ou com nossas
idiossincrasias quanto às orientações e demais exigências do Império. Afinal,
se a FIFA vive se jactando de não haver imposto Mundial ao Brasil, é certo que
ninguém por aqui pediu quaisquer das imposições que vieram a reboque. Que não nos julguem ou se espantem, portanto,
se um Dante encarnar Macunaíma em plena final de Copa, arriar o calção, dar as
costas à tribuna de honra e, como Seu
Boneco, ir pra galera! Afinal, isso aqui-iô-iô é um pouquinho de Brasil
iá-iá...
“Contra a realidade
social, vestida e opressora, a realidade sem complexos, sem loucura, sem
prostituições e sem penitenciária do matriarcado de Pindorama” – OSWALD DE
ANDRADE
foto: joão sassi
Post Scriptum:
Parágrafo Primeiro:
não será permitido ao scorer tacar longe o uniforme e correr alucinadamente com
mensagens de amor escritas ao torcedor;
Inciso Um; a referida
traquinagem será punida com cartão amarelo e deboche do narrador (mesmo que
seja gol de título feito aos 49’ do segundo-tempo da final da Libertadores, na
Bombonera).
Alínea única: Caso
seja a partida de despedida do anotador, recomenda-se a expulsão do meliante e
a execração pública.
Parágrafo Segundo:
será terminantemente vetado ao scorer escalar o alambrado para saudar a massa
insana.
Inciso Um: tal ato de
vandalismo incorrerá em multa e espancamento sumário dos atletas envolvidos
pelos agentes-FIFA presentes, estejam estes fardados ou infiltrados, à paisana.
Parágrafo Terceiro:
proibir-se-á o acesso do scorer e de seus asseclas às escadinhas dispostas nas
laterais do campo ou atrás das metas, com vistas a pular nos braços da galera,
em júbilo e glória.
Inciso Primeiro: tornado
crime hediondo, tal infâmia será passível de capação e venda imediata do
referido atleta e de seus comparsas ao futebol chinês. Sorrir pode, mas,
necessariamente, à inglesa.
Alínea Última: Após o
tento, recomenda-se fazer o sinal da cruz e apontar os dedos para
Deus-Todo-Poderoso ou para a marca do patrocinador exposta no uniforme, bem
como em outdoors espalhados ao redor do campo. Fazer coraçãozinho com as mãos também pode, à exceção do Richarlyson.