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Ói a cara de preocupação do Rodrigo... |
Se um dia
sonhei em jogar futebol, foi por causa do Zico, único ídolo que tive. Em campo,
fora de série; na vida, íntegro e exemplar, um cara no qual as crianças
poderiam (e deveriam) se espelhar. O sonho não se concretizou por opção (opção dos
treinadores, frise-se), o que não diminuiu meu tesão pela bola, comprovado nas
peladas e campeonatos amadores dos quais participei ao longo de 41 anos –
contando as bicudas na barriga de mainha. Tornei-me um discípulo do Galinho, se
não no talento, na índole, respeitando os colegas de time, e também os colegas
do outro time.
Ainda molecote,
juvenil do Brasília, puxava conversa com meus marcadores e fazia as mesmas
piadas que fazia, fora de campo, com meus amigos. Não raro, ficava falando
sozinho, mesmo que a bola não estivesse em jogo. Eles estranhavam, mas para mim, eram apenas
adversários, e não marcianos ou inimigos; tão somente caras iguais a mim, ainda
que com camisas e objetivos diametralmente opostos.
Já mais velho,
jogando o campeonato brasileiro universitário pela Universidade de Brasília,
fomos desclassificados numa partida disputadíssima. Ao silvo do derradeiro
apito, senti um estranho bem-estar, resultado de um embate aguerrido e tenso,
mas jogado na bola. Jogamos bem, mas eles jogaram melhor e nos ganharam. Cruzei
então o extensíssimo gramado do Centro Olímpico da UnB (onde devem caber uns dois
Maracanãs, no mínimo) e fiz questão de cumprimentar os vencedores. Apesar de
nobre, o gesto não causou qualquer comoção ao elenco adversário – alguns chegaram
mesmo a pensar que eu havia ido tirar satisfações. Junto aos meus, no entanto,
o desconforto e a estranheza se fizeram presentes: - A gente se fode e você ainda vai
dar moral pros caras!... – esbravejou alguém, de cabeça-quente. Eu namorava uma
estudante de Educação Física, que também ralhou comigo quando voltávamos pra
casa: - Você percebeu que só você foi cumprimentá-los?... – perguntou, deixando
clara a sua opinião.
Cá
com minhas abotoaduras, penso que moral não seja algo inerente às vitórias,
pura e simplesmente, mas também ao fato de se jogar bem e com respeito ao oponente,
bem como quando aceitamos os desdobramentos da vida, buscando o melhor que cada
situação tem a nos oferecer, mesmo na derrota.
Foi o que
ocorreu com são-paulino Rodrigo Caio, ao buscar reparar um erro do juiz que
causaria dano ao rival corintiano, Jô. O zagueiro tricolor não deixa de ter
princípios e valores só porque quer comprar uma casa para a mãe – sonho de dez
entre dez boleiros; não vira outra pessoa só porque entrou em campo. Ele sabe
que não conseguiria dormir direito se fosse, involuntariamente, o artífice de
uma injustiça contra o adversário. Rodrigo sabe que jogo se ganha na bola... Ou
ao menos que assim deveria ser.
Ao impedir que
Jô fosse suspenso, ele demonstrou o quão grandioso é seu caráter, e que o
mundo-cão que ora o cerca não é suficientemente poderoso para abalar suas
convicções e sua dignidade. Enquanto seu parceiro de zaga, Maicon, dispara que
o melhor é ver a mãe alheia chorar, Rodrigo faz sua mãe orgulhosa, e pelas
melhores razões que o esporte pode oferecer. Ganha o futebol brasileiro; perdem
os brucutus e as aves de rapina de nossa enferma sociedade.
imagem: cartacapital.com.br